Um país que declara guerra aos miseráveis

Por Jodinaldo de Lucena Sobrinho

Quando os escravos decidiram por sua liberdade, resistindo durante décadas, no Quilombo dos Palmares, as forças repressoras a serviço de Portugal, desfecharam brutal ataque contra os negros. Os senhores de engenho não toleravam que escravos negros tivessem direito de lutar pela sua liberdade, deviam viver recatadamente sob estupros, cacetadas e chicotes. A história do Brasil está cheia de relatos de construção de núcleos de povoamento como focos de resistência.

Os sertanejos, cansados de ter seu gado roubado pelos coronéis, suas terras serem tomadas, de sofrerem os abusos cometidos pela polícia dos latifundiários, levantaram sua própria cidade em 1893 (O Belo Monte), seu nome entraria para a história como ‘’Arraial de Canudos’’, atribuído pelos inimigos. A intelectualidade do país argumentava que era uma ‘’raça inferior’’, gente suja, fanática, pobre e analfabeta. A burguesia não aceitava que sertanejos vivessem trabalhando para sustentar a si mesmo e suas famílias, deveriam viver sob os ditames dos coronéis. A heróica resistência de Canudos, impondo várias derrotas às forças regulares do exército, pôde demonstrar que um povo humilde do sertão pode sonhar, lutar e impor derrotas humilhantes aos opressores. O Arraial de Canudos foi destruído pelo governo brasileiro, mas a luta dos sertanejos não acabou.

Os moradores das favelas vivem hoje sob intensa violência policial. A juventude pobre não tem perspectivas de futuro, desempregada, mal instruída, não lhes restando outra alternativa a não ser engrossar as celas das penitenciárias ou a de serem vítimas de um homicídio. O fato é que ser jovem, pobre e desemprego no Brasil é considerado crime pela polícia. A maior parte das vítimas de homicídio se encaixa neste perfil. Seria apenas mera coincidência?

A ideologia do ‘’vagabundo’’, ‘’marginal’’ serve como subterfúgio para condenar os que vivem na desgraça, aliás, na história deste país os que vivem na desgraça sempre foram os culpados por tudo. A mídia justifica os crimes cometidos pela chamada força pública e endeusa como mártires, (‘’heróis’’) aqueles que tombaram matando muitos ‘’vagabundos’’. Cria-se a imagem de que os habitantes das periferias são perigosos, dali surgem os ‘’inimigos da sociedade’’ e não se fala da violência que a sociedade causa todos os dias aos moradores das favelas!

Os filhos dos pobres são aqueles que estudam nas piores escolas públicas, conhecem de perto a fome, discriminação, desrespeito e violência. As escolas públicas estão abandonadas, de nada servem na preparação intelectual da juventude, que não pode entender para que serve uma escola que não lhes ensina nada a não ser tomar seu tempo de vida. É por isso que os alunos já entram na escola pensando no horário de saída, por que essa escola é um fardo, é anticientífica. O ensino brasileiro é legitimador de preconceitos, ideologicamente a serviço da classe dominante e embrutecedor das faculdades mentais.

A ‘’escória’’ do sistema é jogada nos campos de concentração

As prisões brasileiras são campos de concentração capazes de causar horror a qualquer nazista, deixando-lhes o cabelo arrepiado. São jovens que não terminaram o ensino fundamental constituindo maioria da população carcerária. A parcela considerada perigosa é jogada nas piores condições de existência que até os defensores dos direitos dos animais preferem ignorar.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (500.000 detentos) vivendo amontoados, sendo violentados, comendo e dormindo mal como seres bestializados. Sujeira, umidade, péssima comida, sem luz e pouca ventilação, vivem nessas condições porque a violência sempre foi um instrumento usado pelo Estado para resolver conflitos. Assim, a militarização é uma tendência que desponta quando a crise social recrudesce não poupando nem as escolas.

O capitalismo criou as prisões modernas. É a forma de punição burguesa que criou as imensas cadeias para prender aqueles que consideram como imprestáveis para a produção. Aqueles que não têm especialização alguma, tornando-se inúteis, cuja força de trabalho não pode ser usada são lançados nas prisões para que morram ou passem longos anos de sua vida nessa condição, uma vez que a manutenção dessa condição custa pouco e rende ‘’bons resultados’’.

Na história da humanidade existiram várias formas de punição. Muitas vezes os transgressores eram expulsos da comunidade, aos crimes mais hediondos a punição era a morte, cabendo-lhe o direito de fugir. Geralmente o roubo de uma cabra ou de pequenos objetos era resolvido pelos próprios moradores ou por um tribunal constituído por estes. Tudo era resolvido dentro da própria comunidade. A prisão moderna tem funções completamente distinta dessas porque corresponde a uma sociedade que atribui ao Estado a competência de julgar, onde supostamente a vontade do povo estivesse expressa nas leis.

Não foi sem uma justificativa ideológica que a burguesia conseguiu colocar milhares de pessoas nas cadeias. Seus intelectuais criaram a farsa da ‘’recuperação’’ para lançar jovens dentro de prisões para ‘’reeducá-los’’ a viver em coletividade. Ainda se justifica isso para detenção de crianças e adolescentes, atribuindo sempre um nome doce (‘’Casa do menor’’, ‘’Centro Educativo’’ etc.) para as cadeias que prendem menores não diferindo em absolutamente das outras. Quais são os instrumentos e métodos usados para os educar? Bastante tortura e pauladas na cabeça!

Os empresários da fé defendem que a cadeia seja instrumento da sua piedade cristã, chamadas docilmente de ‘’penitenciárias’’, para inculcar-lhes que estão ali pagando seus pecados.

Sem teto, sem terra e sem emprego

Milhões de camponeses não tem direito à propriedade da terra. São empurrados aos centros urbanos em busca de trabalho, engrossando os bolsões de miséria nas cidades. Milhões de famílias vivem em habitações precárias: são barracos de lona nos morros, casebres a beira dos rios, embaixo de pontes, viadutos e até jogados na rua. Essa camada não tem emprego, conhece de perto a fome, vive angustias, medo e violência de toda sorte.

O problema da moradia não será resolvido com políticas de habitação, construção de casas etc., porque tem suas raízes fincadas na diferença entre campo e cidade, numa zona urbana industrialmente desenvolvida e num campo submetido às relações de dependência. Estas raízes estão fincadas num desenvolvimento desigual e combinado, que conservam grandes contrastes como atraso e desenvolvimento coexistindo.

Está demonstrado que a política de assentamentos não constitui reforma agrária, essa política de desapropriação de terras via indenização, processos judiciais etc., fracassou. A burguesia lança a culpa desse fracasso nos próprios trabalhadores que recebem a terra, vendem e voltam para cidade. O fato é que a burguesia não faz reforma agrária no Brasil porque isso implica em transformações nas relações de produção, está muito além da política de concessão de pequenas propriedades de terra via Estado.

A escravidão do salário mínimo

O trabalhador vive miseravelmente com um salário mínimo de fome. As vezes é única renda de uma família, obrigando todos os membros da casa a buscarem emprego em atividades informais. Hipocritamente se condena o trabalho infantil, mas não se diz nada a respeito do regime de trabalho assalariado que joga milhões na miséria. Despesas como transporte, água, luz e comida são insustentáveis com uma renda tão baixa.

A oferta, por parte do governo, de mão-de-obra barata é um incentivo para atrair as multinacionais ao país. A força de trabalho deve ser vendida a um preço que atenda aos especuladores internacionais. Cresce a massa de trabalhadores desempregados, engrossando as fileiras de um gigantesco exército de reserva. Quem não encontra trabalho se submete a toda sorte de atividades humilhantes, para não viverem jogados na sarjeta. Os que não conseguem nada vão pedir esmolas, roubar e viver viciado na droga até que um dia a polícia resolva a questão a seu modo...

O trabalho assalariado é o regime mais eficiente de dominação, porque o trabalhador pensa que é livre para escolher o que fazer. O opressor não é mais o Senhor feudal ou o dono de escravos o qual se pode ver e identificar; no regime do trabalho assalariado o opressor é toda classe dominante, a burguesia. Mas o trabalhador só consegue viver na medida que o patrão aceite comprar sua força de trabalho em troca de salários, ou seja, o trabalhador pode ser descartado na hora que a classe de proprietários assim o desejar.