Amigo útil muito inútil

Dizem que celular é útil demais, que não dá para viver sem ele nos dias atuais.

Eu discordo plenamente!

Estou convencido de que, entre outras coisas, o celular tira a privacidade das pessoas e sempre apresentou uma utilidade bastante ilusória.

1- Sobre a privacidade que citei, alguns dirão que basta não atender a ligação.

Admitir que há momentos em que não será possível atender o celular, é compreensível, porém o natural é retornar depois a ligação.

Podendo atender, mas não atender ou jamais retornar uma ligação que não foi possível atender no momento do telefonema, é falta de educação e contraria o princípio básico dos telefones móveis, que são os celulares.

Parece que a idéia é, através do celular, poder se comunicar com facilidade por meio de um aparelho que estará sempre ao lado do usuário.

Estou certo?

Não compreendendo desse modo, o melhor mesmo é fazer como eu faço, ou seja, não ter celular.

2- Um argumento muito comum é dizer que o celular permite o intercâmbio com um ente querido e possibilita assim saber notícias imediatas de uma pessoa.

Será que a intenção, nesse caso, não é tentar controlar os outros?

Ocorrendo algo importante (às vezes grave), já ouvi relatos de pessoas que ficaram sem saber do fato por não ter verificado as ligações do celular ou porque o aparelho estava, por exemplo, num armário numa outra sala.

Nessa situação, saber imediatamente ou não do fato impediu o acontecimento?

As ocorrências deixam de ocorrer se ficamos sabendo no mesmo instante ou se ficamos sabendo depois?

Argumentarão que providências podem ser tomadas, pois não saber do problema pode causar um impedimento à solução da questão.

Será?

Isso não é papo furado?

Não estaria nessa justificativa uma grande presunção?

Não há aí a evidência de nossa mania de achar que somos capazes de resolver tudo e pensar que interferimos na forma em que o planeta gira, que definimos as ocorrências, que possuímos a fórmula mágica para um problema que, sem nossa salvadora intervenção, jamais seria equacionado?

Óbvio que existem situações que podemos, após ficarmos sabendo de uma ocorrência, estabelecer atitudes bem oportunas para tal fato, mas isso não é uma regra.

Seria um exagero, portanto, dizer que o contato via celular favorece a solução de todos os problemas de alguém que está em outro local.

Além disso, antes do celular, e ainda hoje, existem os telefones fixos, nas casas, nas empresas, seja onde for, que possibilitam um intercâmbio e o fornecimento de qualquer informação.

3- Um argumento bem comum que costumo escutar é que, diante de algumas situações extremas, o celular pode salvar uma vida.

Espero que sigamos nossas vidas sempre sem situações extremas, porém me parece que não as vivenciamos a cada minuto, a cada dia, enfim, não vamos justificar esse uso desenfreado e viciado de celular alegando que, de repente, seremos testemunhas de algo tipo um seqüestro e exatamente, através do uso de um celular, chamaremos a polícia.

Os riscos de vida (ou riscos de morte caso prefiram) estarão continuamente presentes caso estejamos vivos. É inevitável.

Isso não deve estimular que sejamos paranóicos a carregar um celular aguardando a ameaça iminente que nossas frágeis existências podem eventualmente experimentar.

4- Outro argumento corriqueiro fala que os médicos e advogados, além de determinados profissionais e trabalhadores, não podem viver sem um celular.

Concordamos com essa opinião, porém acreditamos que o motivo de, por exemplo, um advogado não poder ficar privado de um celular tem origem na nossa enorme capacidade de influenciar as ações alheias em função dos nossos preconceitos.

Se um advogado tem um escritório, atende nesse escritório, mas não usar um celular, oferecendo somente o número do escritório e da sua residência, por mais eficiente que ele seja, os clientes não estarão seguros na hora de contratá-lo, pois pensarão “Que advogado é esse, que nem celular tem?”.

Perceberam?

Se eu fosse um advogado, infelizmente sentir-me-ia obrigado a ter um celular pelos motivos expostos acima, não exatamente por considerar o celular uma necessidade do advogado ou de qualquer outro profissional.

5- Sem dúvida alguma, há instantes que o celular aparenta ser útil, mas, quase na totalidade das vezes, é o grande útil-inútil que acompanha as pessoas na modernidade.

Uma das coisas que considero mais esquisitas nessa febre moderna pelo celular (que faz a maioria avaliar como impossível alguém não ter esse aparelho) está naquilo que considero um grande paradoxo.

Notem que cada vez menos dialogamos, cada vez menos somos capazes de conversar, de trocar idéias, enfim, o mundo carece de um intercâmbio mínimo onde as pessoas simplesmente consigam parar a fim de escutar outrem.

Dentro dessa ótica, bem peculiar à realidade atual, esse aparelho que facilita tanto nossos intercâmbios a qualquer momento, permitindo que não percamos o outro de vista, serve apenas para a gente exercitar contatos superficiais ou, me perdoem a sinceridade, para que pratiquemos a ação da conversa improdutiva.

Com o celular, estamos constantemente a tagarelar, estamos prontos a indagar onde o outro se encontra, estamos a fofocar alto sobre um acontecimento ou uma pessoa, estamos sempre ansiosos porque o aparelho não pára de chamar, estamos distraídos nas nossas ações por querer fazer qualquer coisa simultaneamente ao uso do celular...

Mas, tendo a presença de alguém na nossa frente, convivendo com pessoas sob o mesmo teto, estabelecendo um relacionamento afetivo duradouro, estamos sempre apressados, indiferentes ao outro e estamos sempre usando poucas palavras.

É ou não é paradoxal?

6- Sei que alguns até ficarão chateados comigo, sei que não faltarão justificativas a contestar minha opinião.

Afirmarão também que esse pensamento foi escrito por um louco (claro que eu não conseguiria esconder durante muito tempo o meu maior segredo).

Quis, contudo, apenas esclarecer os motivos que me levam a deixar de lado o celular.

Por adorar a minha privacidade e liberdade,

Por não querer uma vida ansiosa,

Por poder esperar para falar com as pessoas mais tarde (possuo um telefone com identificador de chamadas no meu apartamento. Quando chego, verifico as ligações perdidas e fico bem à vontade para retornar tais ligações),

Por não desejar ser mais um repetidor,

Por não aceitar automatismos,

Registro que o celular não me faz falta alguma.

Para terminar, vou ilustrar o que eu penso sobre o uso do celular narrando uma cena que vivenciei dentro de um ônibus.

<< Estava eu seguindo para casa, dentro de um ônibus, em pé. Via e também ouvia um rapaz sentado falando, por meio de um celular, com alguém, aparentemente o seu filho. Em algum momento da conversa ele começou a dar orientações sobre algo que a outra pessoa deveria fazer, algo que ele queria ou precisava que o outro fizesse. Isso demorou cerca de cinco ou mais minutos. Parece que a outra pessoa não estava conseguindo entender ou realizar bem o que ele queria. De repente ele parou e falou mais ou menos assim “Pode deixar! Estou chegando. Deixa aí que eu mesmo faço!”>>

Obrigado!

Eu só espero que ninguém tenha interrompido a leitura de minha modesta opinião para utilizar nosso querido amigo útil muito inútil!

Interromperam?




Ilmar
Enviado por Ilmar em 04/01/2012
Reeditado em 30/01/2012
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