PERDÃO

Em verdade, quase tudo o que resta de fundamental na vida é pedir Perdão, em especial a um homem que jamais saberá - porque jamais conseguiu crer - a dimensão da sua real presença dentro de mim. Talvez este tenha que ser o meu derradeiro testemunho desta presença, porque parece ser este o maior desejo desse homem, no que refere a mim.

Esta é, de algum modo, uma despedida da melhor que fui, também, despedida aparentemente irreversível daquela de mim que sabia e podia voar longe e fundo, daquela de mim que tentei salvar, pela memória, por múltiplos outros caminhos. Urge que eu declare: Nunca quis me salvar sozinha, apenas para mim mesma. Nunca. Jamais.

Parto em névoa, exatamente como há séculos entrei. Urge partir, como tantas outras vezes - esta vez semelha ser sem volta - como ré, com o rosto de uma culpa cujo rosto não posso ver, como personagens de Kafka que sou, que sempre fui, que nunca deixei de ser. Afinal, o tribunal invisível jamais me absolveu, nem absolverá.

Sei que a névoa se estende sobre todas as palavras que se estendem na escrita deste momento. Eu o sei. Infelizmente, não há como ser diferente. Não há. Devo também um pedido de perdão a quem, por intenção ou inadvertidamente, venha a ler tais linhas do meu mais-que-absoluto desalento já experimentado. A estes leitores amigos também peço perdão.

Há uma espada que me sangra, por uma desistência, que não é esta de mim. Eu não desisti de mim, que tenho mãe, e ainda me sonho reconstituir, também para mim, um rosto ainda possível. Dessa espada que me sangra, dessa Dor que me acompanha, não há ninguém a quem eu possa ou deva responsabilizar, além de mim mesma.

Os sinos dobram... os sinos dobram... Eu os ouço a dobrar dentro... de mim... Neste momento é só o que consigo ouvir. Perdoe-me. Perdoem-me. Perdoa-me, mãe. Os tempos nascem. Os tempos morrem. Seja como for, os tempos cujo rosto não me é dado antever, haverão ainda, certamente, de nascer. O tempo é a única realidade irreversível. A única realidade irreversível, neste mundo.

Neste triste início da tarde de 20 de janeiro de 2012.