UM BOM PLANO PARA DESTRUIR UMA CIDADE

Ao reunir seus comandados para uma importante missão, o líder de um grupo de anjos maus solicitou que lhe apresentassem estratégias para destruir certa cidade. Dentre todas as propostas, a que pareceu melhor foi a idéia de produzir na cidade uma grande fome, trazendo-lhe uma seca devastadora e completo desabastecimento. E assim se fez. Desde então o sol tórrido fustigou a cidade, secando muitos reservatórios, destruindo a produção do campo e impedindo o abastecimento por completo, tornando impossível até mesmo cozinhar e o simples beber água. E logo a desidratação começou a abater as crianças e os mais pobres, combinada com a fome assoladora. Em pouco tempo se viam pessoas sedentas pelas ruas, caídas por todo lado, perdendo a razão e fazendo loucuras em completo desespero. Alguns, porém, tinham os reservatórios particulares cheios e outros, as dispensas supridas no início do desabastecimento. Então os que tinham água trocavam com quem tinha comida, se unindo para socorrer os que não tinham nada, formando também forças tarefas para levar comida, água e atendimento para os casos mais graves nos bairros.

A seca, porém, prosseguia e, sempre mais grave, consumia as últimas reservas de água e as derradeiras poções de alimento. Diante dessa maior urgência, criou-se a comissão da fome, encarregada de arrecadar recursos voluntários entre a população para trazer água e mantimentos de outras cidades e dividi-los entre todos. Preocupados com os concidadãos, vizinhos e parentes, muitas pessoas trouxeram os recursos que dispunham – máquinas, veículos e bens de necessidade não primordial; enfim, o que se pudesse vender. E, contagiados pela força do movimento, muitos ricos e pessoas abastadas trouxeram grandes somas e muitos bens, somando um esforço que mudou a realidade da cidade mesmo antes do fim da estiagem.

Vendo seu plano frustrado, o líder dos anjos maus convocou uma reunião urgente, reclamando que o plano dera efeito oposto, pois na miséria as pessoas se uniram. Solicitou que um plano mais eficiente fosse sugerido e outro anjo propôs precipitar grande catástrofe sobre a cidade, trazendo copiosa chuva com ventos devastadores, seguidos de saraivadas com pedras tão grandes que espatifassem construções, plantações, animais e pessoas; causando grandes enxurradas e cheias, deixando um rastro de destruição que os sobreviventes jamais conseguiriam superar.

E assim se deu. Uma chuva torrencial caiu ininterrupta por muitos dias. No início, veio acompanhada de um grande tornado e devastadora chuva de pedras. De começo, muitos telhados foram arrancados, inúmeras paredes vieram abaixo e centenas de pessoas morreram sob a saraivada. Mas a chuva prosseguiu, destruindo lavouras, encobrindo casas, matando animais e pessoas e provocando deslizamentos que soterravam bairros inteiros com suas casas e moradores.

Outra vez, porém, as pessoas se uniram para superar a catástrofe. Muitos se empenharam em cavar e regatar pessoas. Alguns cuidavam das necessidades desses trabalhadores e resgatados enquanto outros iam pelos bairros em barcos, buscando desabrigados e ajudando a salvar os bens que pudessem. Nos abrigos improvisados, voluntários atendiam os desabrigados com agasalhos, aconchego, alimentos, remédios, assistência médica e tudo o mais, enquanto os que não perderam suas casas abrigavam outras pessoas, dando-lhes alimento, roupas e tudo que precisassem, utilizando-se, também, dos recursos oriundos de doações de todas as partes ou adquiridos com os recursos doados pelas pessoas mais abastadas da cidade.

Mais gravemente frustrado, o líder dos anjos convocou outra reunião urgente, mostrando-se profundamente decepcionado pela incompetência de seus subordinados. Disse-lhes que suas idéias eram fracas, pois só produziram efeito inverso, unindo as pessoas e despertando nelas o espírito de solidariedade. Então, porque esses planos fracassaram, ele poria em prática seu próprio plano que haveria de devastar a cidade, não deixando nem uma alma vivente além dos edifícios vazios e sombrios. Para tal, encarregou cada um de entrar na cidade e espalhar desconfiança entre seus moradores, fazendo fofocas de uns para os outros, criando intrigas e discórdia entre eles, espalhando a inimizade e o medo até mesmo entre antigos vizinhos, amigos íntimos e parentes chegados.

E assim fizeram, conseguindo muitas contendas, ofensas e dissensões; fazendo que alguns matassem por maldade, outros por vingança, por medo e que muitos tirassem a própria vida por causa da expectação das coisas terríveis. Dentro das casas, entre as famílias não havia mais confiança, sossego e paz; as pessoas traíam-se, os pais separavam-se, deixando filhos a mercê da própria sorte, parentes matavam-se, pessoas se irritavam ao ponto de matar os próprios filhos, irmãos e genitores. Muitas pessoas foram encarceradas por seus crimes por maldade, vingança ou medo, outros se enclausuraram em casa, saindo somente para a sepultura. Muitas pessoas deixaram a cidade por medo, por raiva e por se sentirem desprotegidas, traídas e ofendidas, jurando rancor eterno e nunca mais perdoar e confiar em quem quer que fosse. E assim se deu até que o último morador também se foi após ficar sozinho na cidade deserta.

Isso é o que ocorre com as gentes atualmente. Espalham-se intrigas e inimizades com cochichos, desconfianças e suspeitas num tipo de relação em que não se diz o que se pensa uns dos outros; não se esclarece francamente os mal-entendidos, quase sempre dizendo sim, mas sem comprometer-se com os compromissos que se assume, mas não se cumpre. Assim, as pessoas voltam para casa arrependidas, enraivecidas, impotentes, apreensivas, julgando mal o que outro estará pensando, o que terá sentido e o que estará tramando. Vivemos num tempo onde se toma partido, mas não se toma conhecimento; onde se julga pelo que dizem, não pelo que se vê. Parecemos nos compadecer dos que parecem vítimas, decidindo retribuir o mal ao que, a nosso ver, já não merece o tratamento que queremos receber, esquecendo-nos que em cada pessoa há um ser a debater-se num emaranhado de verdades, certos e errados, conceitos e pontos de vista, tendo cada um seus próprios medos, suas más expectativas, seus sonhos possíveis e impossíveis, suas decepções e esperanças. Então, através das novelas, dos filmes, jornais e noticiários, facilmente nos induzem a odiar por causas que não levam a nada; decidir quem merece ou não o bem, a compreensão, o perdão, o amparo e o socorro; determinar quem tem o direito de ter seus direitos respeitados e quem agora nos dá a vez de agirmos pior que os maus, retribuindo o mal com o mal e multiplicando o maldade propositadamente.

Então as pessoas tidas por más roubam, assaltam, maltratam e matam por motivos fúteis, por razões inúteis, por medos reais e irreais ou pelo julgamento que fazem das demais pessoas. Daí as pessoas tidas por boas, suas vítimas e vítimas em potencial, saem à rua com medo, desconfiadas, julgando esta e aquela aparência, repelindo indivíduos diferentes e aprendendo a desconfiar dos próprios conhecidos a medida que o mal se dá mais dentro do rol de amizade. Então, nesse misto de medo e raiva, muitos desses bons passam a decidir por si quem é bom e quem não é, quem deve ser e como ser castigado, quem merece e quem não merece misericórdia, compreensão, perdão, a chance de mostrar quem é, a segunda chance e tudo o mais. Daí surgem os justiceiros e pessoas passam a julgar, disseminar seus julgamentos e maneira de pensar, maltratar, linchar e matar para punir os merecedores a seu ver. Logo, pessoas tidas por boas e tidas por más estão fazendo coisas péssimas, justificando e alastrando o medo, a desconfiança, a discórdia, a violência no pensar e agir, aumentando e propagando o perigo, dividindo a sociedade, tornando-a cada vez mais fechada, ressentida, rancorosa, individualista, julgadora, isolada e mais solitária, tudo com a fundamental contribuição dos filmes policiais e de ação, das novelas, dos jornais e dos programas jornalísticos mais sanguinários que se multiplicam como praga, que não advertem, tampouco previnem, somente propagam o ressentimento, o medo e o ódio.

Assim, a cidade se dispersa, fugindo cada pessoa para dentro de si mesma e enclausurando-se em casa com medo, assistindo a mais disseminação de discórdia e ódio pela tevê. Assim, cada um se arma de ressentimento e armas literais, perdendo a paciência e o amor pelos demais; daí as pessoas não mais se suportam, não se toleram e não toleram mais nada, estando com os nervos à flor da pele, prontas para revidar com agressão o que julgam como agressão, pois a tudo julgam como premeditada agressão.

Estamos muito mais dispostos a entrar em brigas e fazer guerras do que a produzir a paz. Fomos convencidos de que a paz se faz com guerra e todos são inimigos em potencial. Como somos parte desse todos, também somos inimigos em potencial e, como tal, muitos têm tomada a iniciativa de atacar, pois dizem que “a melhor defesa é o ataque”. E cada um tem seus motivos íntimos para atacar, seja de que jeito for; com violência verbal e física, com denúncias verdadeiras ou caluniosas, com processos esmagadores, enfim, da maneira mais eficiente para aniquilar.

E Jesus disse que se pensamos que somos bons (se queremos ser bons) devemos agir diferente dos maus, amando os próprios inimigos e tratando bem a quem nos faz o mal, pois Ele disse que mesmo os maus amam a quem os ama e fazem o bem a quem lhes faz o bem. Entretanto, embora uma pessoa má possa tratar bem a alguém que lhe favorece, facilmente julga nessa pessoa alguma falha e decide que não mais merece favores, apreço, amor e a própria vida.

Portanto, se nossos julgamentos não obedecem aos critérios de Jesus de amar os próprios inimigos e fazer o bem a quem nos maltrata e assim julgamos conforme nosso próprio pondo de vista do que é bem ou mau; se seguidamente julgamos quem merece ou não compaixão, amor, direitos e misericórdia, agimos iguais aos maus e assim jamais contribuiremos com a paz e jamais teremos paz, sendo hipócritas quando reclamarmos por paz e justiça, pois, intencionalmente, em nada contribuímos com o bem, com a paz e com a melhoria da sociedade.

A iniciativa para a paz tem que partir dos que pensam de si como bons e dizem de si que são bons. Precisamos retroceder e começar a retribuir com o bem e não com o mal, pois como temos feito, temos contribuído é com os anjos maus, que estão se dando muito bem no propósito de levar-nos a construir nossa própria destruição.

Pense nisto.

Wilson do Amaral