Sou uma gaivota

Meu nome é Nina Mikhailovna Zarêtchmia, sou russa, moro num interior com meu pai e minha madrasta, isso no início e meio de minha história de vida, do meio até o final, passo a morar, tal como uma gaivota, sem um lugar definido, em diversas cidades, eu e o vento de modo semelhante, levados para onde a vida desejar, no meu caso, os locais e pessoas que me apreciam e minha arte, oras aplaudida, oras vaiada.

Por intermédio de dois amores, um do passado que ainda me ama, de modo que me vê como sua fada e razão de vida, e outro, fugaz amor, ao menos o sentimento dele para comigo. O meu é intenso, verdadeiro, mas também não sei se mediante o sentimento pássaro que nutre por mim, gaivota, de sentimento flutuante como tal, embora a princípio seja mais sonhadora, acho que mais feliz, consoante alguns filósofos, invejo a lavadeira, sorridente, que ignora as dores do mundo.

Quando morava no interior, sim, era presa, vivia como uma gaivota numa jaula, presa pelo pai e madrasta, tendo que escapar nos momentos em que eles piscavam os olhos, voava, ensaiava passos de ventos e voltava, aflita e receosa de ser vista num ambiente boêmio, como a recriação composta por meu antigo amor que ainda me amava Treplov. Ironia da vida, meu antigo amor, pueril, simples, me aproximou do nosso amor, paixão, carne, desejo, arte, desejoso de minha juventude, garra, sonho, me tomou, provocação que eu havia feito quando num medalhão indiquei do seu romance os dizeres: “Se um dia precisares de minha vida, vem tomá-la.” Quão infortunada sou, doando minha vida não apenas as artes, metáfora de meu anterior desejo maior de vida, ter glamour, glória, fama, por meio da qual acreditava que seria privada das mazelas cotidianas da mesmice, da invisibilização e da massificação de minha história que sim, seria bela, autêntica, escrita tortamente por minhas mãos, ou seria so grande escritor, homem de talento do Trigorin, me possua amado, temos um filho, ele morreu, não foi minha culpa, não estou te cobrando nada, desculpe, sou sua gaivota, você também é pássaro, não quero te prender, mas te possuir sempre que desejares voltar, cada tempo que passa estou aqui, sem lugar definido, já disse que tenho destino de pássaro, por mais que tentem de maneira infame me matar, sei que não intencionalmente, mas a mim de agora, querendo o passado da inocência adolescente, como você tanto me dizia ser Trigorin, Nina, de olhos serenos, sorriso meigo, traços suaves, preciso viver esta paixão.

Era uma jovem com 19 anos, acreditava que para ser artista suportaria tudo, miséria, desprezo, todos os males e como troca como já disse, exigiria apenas a glória. Fama... Palavra doce, amarga. Sou proibida de voltar a gaiola, meus feitores não mais me querem por lá, mas também não mais quero ser presa. Meu amor continua intacto pulsante por ti arte/teatro/sonho/pesadelo/Trigorin, por mais que seja meu fardo, já que Treplov, antes vivia feliz, como uma criança inocente, sonhava com a glória, mas agora tenho que viajar, para Iêletz, na terceira classe, oh, que disparate entre o que idealizei, na primeira classe dos vagões, distribuindo autógrafos até a mão calejar.

Treplov, você foi minha juventude, sonho, memória, lembrança... mas por que não te amo? Por que você mudou tanto? Se tornou incompreensível, irritadiço, na verdade, a dor de uma sociedade obrigando a sua sustentação em meio a uma precariedade de condições que te dá... Compreendo amigo, também assim me encontro... somos tão diferentes... iguais... te admiro, mas enquanto você se esconde revelando-se nos seus escritos, desnudo me escondendo em meus personagens.

Dois anos se passaram, com 21 anos já vejo que o essencial não é fama, sucesso, mas sim ter fé, suportar as dificuldades, carregar a cruz de ser quem é e o que é. Uns me acham um sucesso, outros, fiasco. Não os culpo, a gaivota aqui, por vezes se atira, humanamente envolvida pela ânsia de ser... a protagonista, sempre quero, mas por vezes não consigo... quais suas motivações, anseios?... E quando a vida pessoal está um fiasco, como da profissional, que também é pessoal, resolver?

Projeto RETRATE

Disciplina: Interpretação II (Realismo / Naturalismo)

Capacitador: Roberto Salles

Personagem: Nina, da obra, “A Gaivota”.

Isabel Lima F
Enviado por Isabel Lima F em 15/03/2012
Código do texto: T3555316
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