Esculpir-se

Ando atravessando uma fase meio melancólica, introvertida, emotiva, saudosista, inquieta, de muitas e muitas buscas, por isso às vezes tenho, da mesma forma, transformações súbitas no humor. Tenho enxergado mais do que gostaria e, com isso, tenho me preocupado muito. Tento passar de 220 para 110, sem alterar muito a minha energia, o meu cotidiano. Não é uma incumbência nada simples, ainda mais quando eu acho que estou morrendo todos os dias (e morro!), porém renasço. Sempre.

Apesar do incômodo inicial e do barulho que isso faz, tal transformação tem me conduzido até uma determinada harmonia. É bom ir me investigando, me (re)descobrindo, distraindo-me como escultora de mim mesma. Autora e matéria-prima. De modo simultâneo. Esquivo-me da urgência. Reparo em cada minúcia. É bom descobrir que, debaixo do barro endurecido, existe alguma coisa capaz de admirar, não a todos, engano isso seria, mas a mim, que me esculpo e não me culpo por eu ser e permanecer desta maneira.

Não escondo o desejo de terminar logo essa difícil tarefa, pois a aflição me atormenta e, como todos, desejo contemplar a arte final. Já pensei em virar noites trabalhando em mim para acelerar o término, porém, existe o receio de errar, de lascar, de quebrar, de deteriorar alguma porção. Evito sulcos, rachaduras, manchas, marcas, apesar de alguns serem inevitáveis. Mesmo confusa, jamais tive tanta certeza e precisão com as ferramentas. Não fujo. Exploro-me, toco-me, analiso-me, procuro sentir que parte(s) minha(s) aguenta(m) exposição e toque. Assim tem sido há 30 anos. Não sei quando acabarei esta escultura, apenas sei que isso eu desejo e somente eu (mais ninguém) sei qual é a forma que desejo para mim.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 19/03/2012
Código do texto: T3564045
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