P e R

P. Você já se apaixonou por alguém?

R. Como assim, me apaixonei?

P. Assim, apaixonar-se...

R. Ah! Sei lá... Não consigo entender isso que chamam de paixão.

P. Não entende o que chamam de paixão?!

R. Sim, não entendo. Não consigo entender o porquê duas pessoas passam a se gostar. Não consigo entender essa relação de aproximação.

P. Tem alguma ideia do por que não entende a relação mais trivial da humanidade?

R. Infelizmente não tenho nenhuma ideia formada a respeito.

P. Então, como pode dizer que não entende isso que chamam de paixão?

R. Não sei dizer. Mas, disse algo que me chamou a atenção. Disse que esse tipo de relação é a mias trivial da humanidade. Ora, é justamente isso que me pergunto. Ou seja, será que isso é realmente natural ou isso será algo de construído na cultura?

P. Esse é um tipo de questionamento interessante. O que acha dele?

R. Bem, segundo penso a questão se divide em duas. Então, de alguma maneira, existem duas respostas ou ate mesmo uma relação dialética entre uma e outra. Contudo, antes de responder a essas duas questões elas mesmas deveriam ser colocadas sob suspeita a fim de se perceber em que sentido elas são capazes de responder a esse questionamento. Assim, teríamos algo como uma ontologia da questão – para usar uma terminologia filosófica cuja ambição é a resposta a questões ultimas. Em suma, deveríamos saber se as perguntas são capazes de responder à questão. Ou, dito de outro modo, a questão se esgota na pergunta bipartida?

P. Já que colocou essas objeções à minha questão voltemos, então, a questão inicial, a qual não deu resposta, antes, pelo contrario, tornou-se evasivo quanto a uma resposta direta a esse questionamento.

R. Se fui evasivo ou não, isso significa que respondi ao seu questionamento, ainda que evasivamente. Com efeito, a adequação de minhas respostas ao seu gosto não cabe a eu decidir. Sendo assim, julgo ter respondido a questão de maneira satisfatória e suficiente.

P. Perfeitamente. Então, vamos variar a pergunta: perguntávamos se você já tinha se apaixonado por alguém e não obtivemos resposta, então, pergunto: já se percebeu envolvido por uma paixão? Ou dito de outro modo: já percebeu que alguém esteve apaixonado por você?

R. Nunca tive essa sensibilidade desenvolvida. As pessoas que estão a minha volta conseguem perceber isso de uma maneira mais intensa, eu, por minha vez, não. Creio que eu não tenho essa sensibilidade desenvolvida.

P. Será esse o motivo por que nunca se apaixonou por alguém?

R. Sei lá. Pode ser. Porem, não disse que nunca me apaixonei por alguém. O que disse foi que não entendo porque duas pessoas se sentem enleadas por uma relação de aproximação.

P. Disse que pessoas a sua volta possuem essa sensibilidade desenvolvida. Ora, perceber isso nas demais pessoas já não é uma forma de entender a paixão?

R. Esse tipo de torção do pensamento é perfeitamente plausível e indica um modo de percepção ao qual estamos submetidos. Entretanto, não iria tão longe quanto à sua plausibilidade. Pois, quando disse que percebia que pessoas a minha volta tinham essa sensibilidade desenvolvida no que tange ao perceberem-se alvo de uma paixão, não dizia, necessariamente, que havia pura e simplesmente uma atividade de percepção minha em relação à dos demais. Pois, aqui não está dito, mas é perfeitamente possível que haja a possibilidade de a pessoa que está se sentindo alvo de uma paixão falar sobre essa questão. Assim, ainda que seja plausível a sua colocação ela não dá conta de toda a situação.

P. Perfeito. Então, se não percebeu ou se percebeu pouco a ponto de entender a situação do sujeito a quem estava em contato, então, foi avisado pelo sujeito da paixão que estava sendo alvo de uma paixão. O que ele disse para que acreditasse que ele realmente estava sendo alvo de uma paixão?

R. Ah! Dizer com a absoluta certeza que fiquei cônscio de sua situação não seria possível. Mas o sujeito que me confidenciou algo a respeito de suas suspeitas em relação ao que julgava estar sendo alvo de um bem querer vindo de além de si, isso é possível. Disse ele que a moça o estava olhando de maneira diferente. Disse-me também que estava gostando de ser olhado de maneira diferente por aquela moça. Em virtude disso, passou a pensar com mais freqüência naquela mesma moça. Logo depois, que percebeu tudo isso acontecendo se encheu de coragem e foi ter com aquela moça. Feito isso descobriu que ela, realmente, estava apaixonada por ela. Assim, passaram a se encontrar com mais freqüência.

P. Isso é a descrição típica das pessoas que estão apaixonadas. Anteriormente disse que não era capaz de entender por que duas pessoas passavam a gostar uma da outra. Isso que descreveu não é um indicio de que tal seja possível em pessoas tão diferentes?

R. Ora, isso não evidencia nada, pois que o que ouvi foi o relato de uma pessoa em relação a outra. O que não entendo é a categoria do diferente. Ou seja, a moça passa a olhar diferente etc. em que sentido se pode dizer que seja diferente? O que é isso que seja diferente no olhar etc?

P. Tem razão quando diz que não há nada na descrição que evidencie que uma pessoa esteja apaixonada por outra. No entanto, apesar de sua relutância – a qual ainda penso que seja devido a sua pouca experiência nisso que chamam de paixão – em aceitar que as pessoas diferentes e estranhas possam, de fato, gostarem umas das outras, gostaria de insistir em um ponto, sobretudo, num em quem fez menção, ou seja, na categoria do diferente. Relatou a experiência de um seu confidente que lhe disse sobre o seu processo de enamoramento com uma moça. Com base naquilo lhe pergunto: nunca percebeu nenhuma moça lhe olhando diferente?

R. Novamente com a ideia da diferença. Já disse o que penso sobre a ideia do olhar diferente. Consideremos que a sua avaliação seja correta, ou seja, a de que a minha relutância é conseqüência de minha inexperiência, penso que houve uma vez em que percebi o quanto estava envolvido por uma ideia semelhante a essa. Mas, ela foi rapidamente debelada de minha mente porque não tinha nenhuma base e, por isso, não se apoiava em nenhuma certeza real e sim numa impressão imaginária.

P. Ah! Você já foi inoculado pelo veneno da paixão... Só não queria admitir. Isso não é sinal de fraqueza, antes, pelo contrario, é sinal de que faz parte do resto da humanidade. Eu diria a você que resistir a paixão é pior do que dar asas a ela, ainda que ela seja uma experiência frustrante sob todos os aspectos. Quando foi que se sentiu dessa maneira?

R. Disse que se considerasse...

P. Está bem... Está bem. Eu entendi o que você disse... Então, sob a hipótese de que a minha avaliação acerca de sua experiência com a paixão esteja correta me diga, quando foi que se sentiu dessa maneira?

R. Está bem. Direi aquilo que me aconteceu naquele tempo com aquela pessoa. Mas, só para retomar aquilo que já disse anteriormente, tudo o que ela fazia por mim era, na verdade, fruto de minha imaginação. Diria mais. Fruto de meu desejo frustrado ou não realizado. Aqui tomando por base de toda a minha experiência enquanto ser humano, o desejo. Não entrarei em questões teóricas, mas afirmo que essa concepção do humano é, no mínimo, reducionista e, portanto, incapaz de descrever a realidade do humano.

Estava realizando uma tarefa qualquer na companhia de outras pessoas, as quais desempenhavam tarefas próximas àquela que cabia a mim realizar. A pessoa por quem me interessei estava do outro lado da tarefa, ou seja, aquilo que fazíamos tinha como intenção entreter outras pessoas. Ao final dessa tarefa fui para uma sala a fim de me desvencilhar dos objetos por meio dos quais desempenhava a mencionada tarefa. Então, não pude entrar na sala porque ela estava repleta de pessoas, as mais diversas, que conversavam quase ao mesmo tempo e sobre assuntos diferentes. Em virtude disso, fiquei parado e esperando. Nesse ínterim, passei em revista as pessoas que ali estavam. Foi nessa empreitada que a vi do outro lado da sala próxima a uma porta. Quando meus olhos encontraram os seus pude perceber que aqueles olhos olhavam os meus antes que os meus olhassem os dela. Isso não significa nada porque não existe nada de diferente nisso. Mas, aproveitando uma imagem que usou, quando se está envenenado por algo inexplicável qualquer coisa, por mais fútil e inútil que seja, passa a ser encarada e, por conseguinte, interpretada pelo envenenado, como algo sublime. Porque entendi dessa maneira aquele olhar corriqueiro e banal, passei a imaginar que ela pudesse querer alguma coisa comigo. Querer no sentido de começar um relacionamento próximo. As palavras não são capazes de expressar em profundidade aquilo que pretendo dizer. Talvez uma palavra-definiçao seja a mais adequada, muito embora esteja adulterada pelo uso, ou seja, talvez se utilizasse a palavra namorar fosse mais próximo daquilo que pretendia com ela.

P. Realmente você já esteve apaixonado por alguém. E, esse alguém, foi aquela moça que olhava para você naquela dia, naquela sala. Creio que não consegue entender por que gostou dela. É isso?

R. Justamente. Não consigo entender porque gostei dela. Não existe nenhum motivo, nenhuma razão... não existe nada que me aproxime dela.

P. Essas coisas não são da ordem da razão, mas do coração.

R. Já ouvi dizer coisas desse gênero. Mas sempre fui relutante quanto a essa questão porque isso faz uso de uma concepção dualista.

P. Sim, mas explica algumas coisas. Mas, deixemos essas questões teóricas de lado e retomemos a fio da descrição. O que aconteceu depois?

R. Concordo. Depois que percebi que ela estava me olhando fiquei um pouco envergonhado.

P. Por quê?

R. Penso que a razão para isso foi o reconhecimento de minha condição. É como se uma situação qualquer me empurrasse para baixo – foi assim que me senti naquele momento – e daí passei a me sentir envergonhado. Em resumo, entendi, já naquele momento, que ela não era uma pessoa que estava à minha disposição no sentido de ser uma pessoa com quem pudesse namorar – para usar um termo vulgarizado e amplamente compreensível – ainda que fosse uma jovem e, por ser tal, estar a total disposição de assumir uma condição de namoro como qualquer outra jovem. Esse paradoxo é incompreensível.

P. Tudo isso fez parte de seus pensamentos naquele momento?

R. Obviamente que não. Esses são pensamentos de pensamentos. Ora, não disse a você que não era capaz de entender por que uma pessoa se apaixona por outra? Então, essa conclusão-dúvida é fruto de um longo processo de auto-reflexão sobre o que se passou comigo naquele dia. E, além disso, porque não era a pessoa adequada para poder gozar da presença daquela linda jovem. Com respeito a isso, ou seja, a de não ser a pessoa adequada a ela eu intuía desde o primeiro momento.

P. Como lidou com essas coisas?

R. A resposta é bastante simples e obvia. Passei a refletir sobre isso a ponto de chegar a uma conclusão-dúvida acerca disso que seja paixão. Ora, uma coisa é certa, ao menos para mim, todas as palavras que usamos para descrever estados de coisas, sentimentos e tudo o mais são amplamente vulgarizadas para poder expressar toda a carga daquilo que tencionamos dizer quando dizemos o que dizemos. Existe uma frase que sempre me intrigou. Essa frase é a seguinte: os limites de meu mundo são os limites de minha linguagem. Compreendendo a linguagem como uma definição do mundo significa que o meu mundo é do tamanho de minha linguagem. Então, para usar essa compreensão de linguagem para dentro daquilo que conversamos, temos que a paixão é a definição de um mundo do sentimento. Ora, essa definição é do tamanho do limite do conhecimento que tenho dessa palavra. Portanto, posso estar completamente equivocado a respeito disso que chamo de paixão ou posso estar considerando algo do qual não tenho um nome-definição e, por isso, utilizo esse que está mais próximo a mim e que é amplamente utilizado pelas pessoas.

P. Olhando por esse lado as coisas passam a possuir uma outra configuração. Mas, novamente digo a você para retomarmos a fio da descrição. Pode ser?

R. Pode. Mas quem fez com que o ritmo da discussão fosse desviado foi você.

P. Não nego. Mas...

R. Perfeitamente. Fiquei naquela situação vexatória por algum tempo. Esse tempo foi suspenso quando passou-se a discutir sobre aromas. No calor da discussão ela tomou partido contrario a uma informação dada por terceiro a respeito do produto do qual nos utilizávamos para desempenhar as nossas tarefas. Ora, senti-me autorizado a entrar na discussão não como um litigante, mas como testemunha, pois que levei até ela o pote que segurava e que continha o mencionado produto e o apresentei a ela a fim de que fizesse uma inspeção olfativa por si própria. Com isso julgava que ela fosse capaz de mudar de opinião acerca do que pensava sobre aquele produto. Ledo engano. Ela era uma pessoa de opinião formada não com base em formas vazias e sim a partir de critérios sólidos frentes os quais não pude resistir. Resultado, mais uma vez senti-me humilhado por estar na presença daquela moça.

P. Não aconteceu nada de diferente? Pergunto isso porque não existe um movimento dela, um gesto que ela tenha feito que escape a sua interpretação. Ora, isso significa que ela enquanto alteridade não existe, pois que ela, na verdade, é um ela-você, uma vez que tudo o que ela fez está sob a sua interpretação. Assim, ela deixa de existir como mistério para você e, na condição de mistério, poder assumir tanto a possibilidade de ser um dom como uma desgraça para a sua vida. Não existe nada dela que seja ela mesma em relação a você?

R. Esse é um ponto de vista interessante. Mas, fica a questão: como o outro poderá ser outro sem que eu o nomeie como outro? Por isso, para mim, segundo as minhas capacidades, dizer o outro faz parte de minha capacidade enquanto ser de linguagem capaz de nomear – ainda que sob as fraquezas da linguagem. Então, é impossível que ela seja pura aos meus olhos, uma vez que, seguindo a trilha de Ricoeur, há um enxerto hermenêutico na fenomenologia. Contudo, concordo com você no aspecto da absoluta interferência em relação ao significado dela e de suas ações para comigo. Para não dizer que não houve nada de diferente vou retomar novamente a experiência do olhar e o considerar não como banal e sim como uma exterioridade inapreensível por mim que dela se achegou a mim. Ou seja, vou considerar aquele olhar como dom de sua personalidade em direção à minha. Ora, a noção de dom aqui é pura e simplesmente a que está ligada a noção de exterioridade inapreensível e nada mais. Dito isso, prossigo na descrição daquele acontecimento. Como disse anteriormente, levei a ela um frasco que continha pedras aromatizadas a fim de que ela o apreciasse por si mesma. Quando me aproximei dela pedi que a cheirasse e tirasse as suas próprias conclusões. Ao que ela anuiu e, em seguida, emitiu a sua opinião. Contudo, nesse intervalo de tempo em que apresentava a ela o sobredito frasco seus olhos se encontraram com os meus de uma maneira diferente. Como disse mais acima essa noção de estranheza típica das descrições de eventos amorosos é estranho e incompreensível, mas também estou convencido de que é nela ou através dela que se chega a uma compreensão satisfatória a respeito disso que é conhecido por paixão.

Confesso que naquele momento algo revolveu dentro de mim. Tenho para mim que algo semelhante tenha acontecido com ela.

P. Por que pensa que ela sentiu algo semelhante ao que sentiu?

R. Penso que algo semelhante tenha acontecido a ela porque ao analisar o frasco por meio do olfato, não deixou de me olhar nem por um instante.

P. Esse é o motivo por que pensa que ela também sentiu algo semelhante ao que sentiu?

R. Sim.

P. Poderia significar outra coisa?

R. Perfeitamente. Mas, como você mesmo vem insistindo para me fazer acreditar que eu teria tido uma experiência que pudesse ser caracterizada como sendo de paixão, passei a aceitar tal categorização. Todavia, apesar de sua insistência não consigo enxergar nada que seja relevante nesse episodio que faça com que ele tenha sido um episodio de apaixonamento. Pois, segundo penso, não existe uma razão especifica que qualifique essa ou aquela situação a ponto de dizer ser ela de paixão etc. Portanto, penso que a ideia de paixão, aliás, dizer a razão de uma pessoa estar ligada a outra é impossível. Para ser mais preciso: para mim é impossível uma resposta satisfatória a questão: por que estou apaixonado por ela?

P. Com isso coloca limites muito precisos no relacionamento amoroso entre uma pessoa e outra sob o ponto de vista da razão, da explicação. Houve algum tipo de descaso por parte dela depois do episodio que me relatou a ponto de fazer com que você ficasse arredio a qualquer manifestação de amor proveniente de outra pessoa?

R. Segundo o que observei não houve nenhuma manifestação de desprezo ou qualquer coisa do gênero por parte dela.

P. Então, o que houve entre vocês depois desse episódio?

R. Nada.

P. Nada?

R. Sim. Nada.

P. Não posso acreditar que um movimento desses tenha tido como resultado um mero seguir de vidas.

R. Pois, pode acreditar, uma vez que fora isso o que aconteceu.

P. Não houve nada depois que se assemelhasse a troca de olhares?

R. Ah! Isso sim. Isso aconteceu com uma certa freqüência depois daquele episodio naquela sala. Bastava que nos encontrássemos para que nossos olhos se procurassem entre todos os possíveis olhares no afã de se encontrarem. Segundo penso...

P. Nunca houve nada entre vocês?

R. Não. Nunca houve nada.

P. Isso é estranho porque as manifestações de apreço de ambas as partes era mais que evidente. Portanto, era obvio que vocês estavam apaixonados um pelo outro.

R. Não vejo isso com tanta certeza.

P. Por quê?

R. Porque ela tinha um namorado. E eu tinha as minhas responsabilidades, as quais me impediam de me aproximar dela. Então, não penso que fosse uma questão de paixão.

P. Por que razão, então, seus olhares se procuravam nos ambientes em que se encontravam?

R. Essa é uma questão interessante. Porem, a resposta que pensa ser a correta é porque estávamos apaixonados. Sendo assim, não seria nada estranho que duas pessoas apaixonadas se olhassem com certa freqüência ou com um desejo incontido de se ver e de se experimentar pelo olhar, de se encher da presença do outro. Todavia, quando esta hipótese não é considerada tal não fica assim tão evidente. Ora, sou mais tendencioso a entender que a nossa relação é algo de diferente de uma paixão, então, não posso aceitar que a razão de nos olharmos fosse amorosa.

Como disse anteriormente tanto ela quanto eu possuímos, nas nossas vidas ou, para ser mais preciso, no modo de condução de nossas vidas, condutas tais que nos colocavam em pontos opostos.

P. Que pontos eram esses?

R. Como disse ela tinha namorado. Ora, na nossa sociedade existe um comportamento codificado para esse tipo de relacionamento, assim, tanto ela quanto ele se comportavam de maneira a conservar a fidelidade um para com o outro. Fidelidade aqui entendida de maneira bem simples, uma vez que se pretende entender essa noção de fidelidade a partir de uma palavra dada. Ou seja, quando ambos começaram a namorar algo foi dito pelos dois que selou o compromisso que assumiam doravante.

Veja quanta estranheza existe nisso! Não consigo entender porque você não acha estranho o relacionamento entre um homem e uma mulher!

Para tentar elucidar aquilo que estou pensando sobre esse ponto em especial, posto que fora dito algo como que o pronunciamento de uma palavra que selou o compromisso dos dois. Ora, o relacionamento, desde que entendido da forma como fora apresentado, depende de uma palavra fundadora. Com efeito, a particularidade dessa palavra fundadora é a de ser uma palavra dita em duas vozes. Sendo assim, cabe a questão: de que modo esse dizer comporta, de fato, as duas vozes? Elas estarão em consonância perfeita?

Essas e outras questões podem ser aduzidas para se tentar compreender a profundidade dessa palavra fundadora.

Talvez uma outra particularidade que possa ser encontrada é a de que essa mesma palavra dita por outra pessoa que não aquela por quem ela/ele tem uma forte inclinação não signifique nada ou signifique muito pouco.

Ora, uma questão se impõe. Com efeito, penso na ideia de frase. Explico-me. Com base naquilo que venho dizendo, existe uma palavra fundadora na base de um relacionamento, então, é o inicio de um sentido. Sendo assim, se pode colocar como horizonte a construção de uma frase dita em duas vozes ou escrita em dois vocabulários. Em que medida isso seria possível?

P. São questões interessantes e que precisam de um maior desenvolvimento, as quais gostaria que voltasse a fim de lhes dar um maior acabamento. Contudo, dizia algo a respeito do impedimento...

R. Sim. Dizia que ela estava ligada a uma outra pessoa e, em vista disso, não poderia assumir um outro relacionamento.

P. Perfeitamente. Porem, como disse, ela não poderia assumir um outro relacionamento, mas isso não significa que ela não pudesse querer outro relacionamento.

R. Concordo perfeitamente com o que está dizendo. Creio que a situação foi bem percebida por você, uma vez que estar relacionando com alguém não significa, necessariamente, ser dessa pessoa. E isso é possível, segundo penso, porque o outro nunca pode ser apreendido por aquilo que faço por ele ou ele por mim, posto que acredito na irredutibilidade do relacionamento homem-mulher. Creio que essa seja mais uma razão por que não entendo o relacionamento.

P. Ainda permanece com essa ideia?

R . Não é possível se desvencilhar de uma ideia como essa, sobretudo porque as questões não foram respondidas, mas apenas iluminadas com outros pontos de vista. Porem, isso não é suficiente para debelar a duvida que permanece com toda a intensidade no fundo da mente ou do coração. Penso que a escolha da linguagem aponta para uma perspectiva de compreensão dessa situação, ou seja, se, por um lado, escolher a ideia de mente, faço eco as intenções racionalistas, se, por outro, escolher a ideia de coração, faço eco as intenções emotivas.

P. De fato, todas essas questões são pertinentes. E tudo aquilo que refletiu tem plausibilidade, sobretudo porque não se pode convencer ninguém a respeito de se estar ou não apaixonado. Todavia, não obstante esse impedimento de caráter intransponível, segundo o que entendemos, gostaria de saber se se arrepende de não ter tentado se aproximar dela?

R. Alguns momentos sim, noutros, não;

P. De acordo com o que disse existiam duas possibilidades em sua intenção. Então, o que acontecia em você para repelir o desejo de falar a ela o quanto estava apaixonado por ela?

R. Sempre fui muito reflexivo. Sempre pensei antes de falar. Creio que essa característica de minha personalidade criou um estrutura tal que me fez sempre procurar pela raiz daquilo que estava acontecendo comigo e do porque agia da maneira que agia. De acordo com essa minha tendência reflexiva descobri que todas às vezes que estava inclinada a ceder aos meus desejos de compromisso amoroso com ela sempre estava ligado a minha incapacidade. Sempre que me sentia frustrado por um motivo ou outro sempre sonhava com a possibilidade de estar junto dela e desfrutar de sua companhia. Ora, isso me levou a refletir sobre a minha real intenção para com ela. E essa não creio que fosse a das mais intensas, uma vez que ela se apresentava como uma espécie de salvação de minha tristeza.

Dranem
Enviado por Dranem em 20/03/2012
Reeditado em 20/03/2012
Código do texto: T3564966