Um autêntico templo

Li em algum lugar que existe uma lenda que diz que quando um local está completamente cheio é porque metade das pessoas que enxergamos não permanece mais viva. Crendo ou não nisso, eu naturalmente AMO bibliotecas, ainda mais quando elas se acham completamente cheias(acho que é o único lugar em que não me importo efetivamente com a presença das pessoas)! Interpreto todas como um templo, um santuário, uma ligação de energias! Aprecio tocar cada livro que vem parar em minha mão, sentindo não apenas a textura do papel, mas procurando captar a energia das muitas mãos que já devem ter passado por lá. Quantos corações pulsaram lendo aquelas folhas já tão amarelas pelo uso e pelo tempo. Quantos segredos permaneceram pingados ali, imbuídos. Reparo tudo. Vou além das palavras. Procuro rastros e quem sabe uma pequena mancha ensebada de manteiga ou uma marca tênue de uma lágrima esperta que ali caíra. Viajo mesmo! É inevitável.

Uma vez encontrei em um uma rosa, com suas pétalas dilaceradas, velhas, secas, esquecida lá no seu interior por... Por quem, meu Deus? Como seria essa pessoa? De quem ela havia recebido tão simples presente? Minha imaginação voa... e voa distante... Por um instante interrompo a ótima história de Lucíola e reparo que ali, implicitamente, existe uma outra história, mais acessível ainda, que procura conversar comigo. E eu com ela. De maneira ansiosa. Louca pra ser lida, solucionada.

Numa outra vez encontrei um bilhetinho mal redigido, letra sem firmeza, papel de guardanapo, com nome, telefone e um "me ligue". Juro que fiquei minutos contemplando o número, doida para pedir para alguém ligar e conhecer um pouquinho mais dessa pessoa, daquele personagem que adentrara sem querer naquelas páginas e nem se dera conta disso! Quiçá até hoje ele aguardasse uma ligação dela. Talvez ela tivesse vasculhado desesperadamente seus pertences procurando achar o tal bilhete e nada! Talvez lá estivesse a prova de uma bonita história de amor suspensa. E eu ali, sem ter possibilidade de fazer nada. Ou até podendo ligar para falar que "ó, ela não ligou porque o bilhete com seu número ficou perdido no interior de Mar Morto, tá?!" Mas, de modo indubitável, eu faria (ainda mais) papel de doida... Melhor não.

Lenda ou não, curiosamente sempre contemplo as bibliotecas completamente ocupadas, mesmo tendo conhecimento de que as pessoas não curtem muito ler, leem bem menos do que deveriam, fantasiam menos do que deveriam, percorrem universos sobrenaturais com menos frequência do que deveriam. Quiçá a metade não esteja mais viva mesmo e perambula por ali em busca de alguma coisa que as salve, seja procurando a tal rosa ou o bilhetinho ali esquecidos, seja a procura daquela lágrima e daquele sentimento tão parecido, para matarem as saudades. Algo especial, mágico, um santuário, um autêntico templo, ao menos para mim.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 09/04/2012
Código do texto: T3603284
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