SEM AMOR

SEM AMOR VINGA O SILÊNCIO…E O FIM

A sociedade muda de atitude naturalmente, evolui, ou não, transforma-se sim, mas o que eu queria dizer é que é muda cada vez mais em relação ao seu próximo. E no entanto vivemos na era da comunicação. Os laços mais humanos das relações próximas, de vizinhança pessoal, visual, directa, estabelecida pela transmissão oral, a conversa, a fala, o diálogo, a cavaqueira, a relação coloquial, a troca de impressões, sensações, ainda que banais, como a maior de toda, a que respeita ao tempo que faz, o calor, o frio, a chuva, o vento, aquele bom dia dado ao vizinho em pleno temporal, como desejo de pretender exorcizar todas as intempéries do clima e da alma; tudo isso se esvai perante a relação mais desumana da televisão do telemóvel, dos auriculares ou da net.

Já não falamos para o nosso próximo, mas para muito além, numa globalização que nos liga longe e nos desliga perto.

A net dilui-nos numa anónima nuvem de informação, por vezes um denso nevoeiro.

Ignoramos o nosso vizinho, o nosso merceeiro reformou-se, a leitaria morreu com os com os clientes, a velha tendinha, ficou só em registo de fado, o lugar da hortaliça, já nem se sabe em que lugar ficava e no banco já não há quase ninguém de um e outro lado do balcão. O café largo salão de muita e variada gente, onde se criavam tertúlias e amizades dissolveu-se em snacks onde se bebe um café expresso sem ver ninguém, onde embora, tanta gente passa como o café; expresso.

A aceleração da vida prossegue a um ritmo por vezes frenético; e pensar é um exercício por vezes ingrato e sem condições.

Já não caminhamos; corremos a pé, em automóveis com cada vez mais cavalos força, em aviões a jacto, tgv, ou metro onde nos comprimimos ansiosos e sem palavras.

O eléctrico lento, sonolento, transporta reformados, turistas e carteiristas. Está ultrapassado pela rapidez de outros meios, mas é nostálgico pela pacatez do andamento a qual permite ainda abrir a janela, saborear a tepidez do ar, fotografar e apreciar monumentos e paisagem. Uma excepção à regra da aceleração contínua.

A vertigem da velocidade embriaga e torna-se uma droga alucinante.

Não devíamos parar para pensar?

Não é possível? Talvez não.

Mas a energia é inesgotável para esta aceleração? E a poluição? E o ambiente?

Aceleração/poluição é um binómio quase inquebrável.

Apocalipse agora, não ainda, mas pequenos grandes desastres dão-se com uma frequência crescente.

Eu faria a este mundo uma proposta ousada; voltar ao burro e ao cavalo, com as suas “poluições próprias”, à caleche, à diligência, às caminhadas, às peregrinações a pé, e às moscas, às varejas, percevejos e piolhos; não às baratas que essas estão connosco e dizem são até capazes de sobreviver à hecatombe nuclear. Só Deus! Raça de bicho!

Gostava de ser barata nessa hora, mas sofrer essa horrível “Metamorfose” por que passou Kafka, desmotiva-me. Prefiro morrer.

Percebo que a proposta é difícil de passar, dada a segunda premissa da proposta, que cheira muito mal.

Além disso tem outra, é que me esquecia; a de desligar, o frigorífico, o ar condicionado, apagar a luz, a TV, a rádio e o PC, embora estes gastem pouco, mas nos consumam muito.

Bem, já percebi pelo nariz torcido de quem me lê, o seu pensamento.

Livra que o sujeito é maluco, é visionário para trás, reaccionário.

Calma, meu povo. Passemos então a outra proposta.

Reciclar. Não, não é só voltar a andar de bicicleta. Será renovar, recuperar, reinventar, fazer do velho novo, fechando as fábricas de automóveis, de máquinas de lavar e secar, dos aparelhos de ar condicionado e tudo mais que degrada o ambiente enviando para o desemprego operários e funcionários.

Mas lá está o reverso da medalha a empecilhar as minhas propostas ousadas de fuga para trás.

Sendo assim e sendo menos radical e mais sensato, o melhor será moderar a velocidade e o consumo, poupar energia e inventar o jeito de progredir sem criar o lodo onde nos afogamos lentamente como em pântano.

Se o dinheiro foi uma invenção de progresso o seu uso imoral mantém-se e reforça-se como factor de desastre.

Então talvez nos dias de hoje se imponha fazer um uso mais racional e especialmente moral desse instrumento, que assim, pode estar a minar a nossa capacidade de escapar ao breve fim de uma Era.

Temos provas recentes. O lucro, o benefício, reverte para alguns e subverte todos.

Talvez estejamos a dever ao nosso próximo uma atitude mais moral e mais religiosa, esta no sentido que lhe davam primitivos povos ao venerar as árvores, os rios, os animais, as florestas, os lagos e as fontes, como se fosse algo com alma; autênticos pequenos Deuses presentes no cordeiro e no lobo, no tigre ou no bisonte., nas andorinhas ou na águia e até na formigas que S. Francisco evitava pisar por alguma razão.

Mergulhamos o olhar no écran do telemóvel, ou da televisão, enterramos os ouvidos nos auriculares da musica, e ao nosso lado há vítimas de cegueira e de silêncio. Nós próprios somos a cegueira e o silêncio.

Um grito mudo (Munch) e um clarão cego ( cogumelo nuclear) esperam-nos??

Arbogue
Enviado por Arbogue em 11/05/2012
Código do texto: T3662783
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