Espiritualidade ...

Fui criado em um lar católico, mas tive desde criança, acredito que pelo os exemplos de meus pais, uma tolerância com o diferente. Nunca me chocaram pessoas de outros credos, nem mesmo os via como diferentes e jamis os tratei com desdém.

Quando criança e adolescente freqüentei a Conferencia Vicentina cujo objetivo era trabalhar em prol dos menos favorecidos da sociedade. Lá não se faziam distinções aos assistidos.

Um tarefa que cabia aos integrantes da conferencia pedir esmolas de porta em porta. A cidade era dividida por setores que cabiam a cada uma das conferências. E nas conferências os participantes alternavam os domingos para se pedirem a esmola. Eu também tive esse ofício, com um saquinho de pano azul marinho com a sigla SSVP bordada em vermelho ia de porta em porta pedir esmolas. O setor de minha conferência abrangiam as ruas do centro da cidadezinha. Batia na porta ou tocava a campanhia e ao ser atendido suspendia o saco de pano azul e conclamava em bom e alto tom: "_Esmola para São Vicente!!!" Daí então recebia algum trocado que era depositado pelas mãos do ofertante dentro do saquinho de pano azul. Na falta de algum dinheiro aceitávamos ovos que ao final era vendidos ou doados também aos pobres. Alguns, muito raros, negavam a ajuda que era para os pobres da Sociedade de São Vicente de Paula.

Certa vez um farmacêutico nos negou a oferta, e Reginho companheiro meu naquele domingo sentenciou a boca pequena: "_Tomara que quebre a perna!" Ouvindo falei com o colega: "_Que isso Reginho, fala isso não!" Se tinha algo a ver não sei, mas no outro domingo o tal senhor estava de muletas. Constatei que praga que pega não é só a de padre.

Tinha uma Senhora da Rua do Jangada que fazia questão de dar a esmola, mas sempre me corrigia após minha anunciação: "_Esmola pra São Vicente!" "_Pra São Vicente não meu filho, para os pobres de São Vicente!" E ela tinha razão. Mas me corrigia por outras questões também. Era evangélica e fazia questão de contribuir para a obra católica.

Mamãe pertencia a Legião de Maria, movimento católico nascido na França que desenvolvia bonito trabalha em visitas à famílias e doentes necessitados. Levavam palavras amigas e de conforto aquém precisassem. Certa vez minha mãe atinou de visitar uma senhora idosa e doente de nossa rua cuja fé que professava era protestante. Mulher ficou felicíssima e agradeceu muito a visita pois se sentia solitária e nem se importou por ser um visita de um movimento católico.

Os Testemunhas de Jeová sempre os tratei com respeito e jamais disse que estava com as panelas no fogo. Ouvia-os ora com paciência de Jó ora agradecendo-os pela mensagem que não ouvia e desejando-lhes bom trabalho.

Em casa somos seis irmãos que dentre eles alguns professaram outras denominações religiosas como o espiritismo e o protestantismo. Acredito que isso também influenciou minha forma de lidar com outras religiões. Visitei a Igreja “O Brasil Para Cristo” a convite de meu irmão que na época congregava nesta Igreja. Achei muito acolhedor a forma como me trataram. Foi uma celebração bonita e rica em detalhes sempre ligados a Bíblia como por exemplo quando ao final todos os presbíteros se uniram em oração para ungir uma criancinha que se encontrava adoentada. “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor” (Tg 5, 14)

Já fui padrinho de casamento de um amigo, onde presenciei o ritual do matrimônio evangélico e achei muito bonito.Também fui a um culto de mesa branca a convite de outro irmão meu. Também dignos de respeito em suas crenças e atitudes perante a vida. Outra religião que também visitei foi uma sessão de umbanda em noite dos pretos velhos. Achei rica a celebração. Os Pretos-Velhos são entidades da Umbanda e representam os antigos escravos, já bem velhos. Para os Umbandistas, eles transmitem a sabedoria, a paz, a harmonia, o ensinamento, os bons conselhos e muitas vezes, boas receitas de chás para curar pequenos males. É um orgulho da Religião.

Tive as oportunidades de conhecer esses rituais aos quais passei a ter mais respeito. Contudo ainda sou católico e por mais belo que tenha achado todas essas denominações religiosas tenho muito arraigado em mim as tradições católicas. As quais gosto e quando delas participo me sinto bem e acho belo e significativo. O cheiro do incenso me remete aos recônditos de meu inconsciente e trás lembranças das celebrações de minha infância quando ainda pouco sabia da religião, apenas participava e vivenciava levado por meus pais. Os detalhes das missas e rituais católicos me tocam e fazem sentido. Sou católico, não de carteirinha, até porque até hoje nunca vi a tal carteirinha. Mas faço do catolicismo minha religião, vivencio seus ritos e busco viver pela minha fé. Não sou feliz por ser católico mas sou feliz enquanto católico. Respeito e sempre respeitarei as demais religiões e ainda acredito que a melhor religião é que melhor faz bem a pessoa. Gosto de Nossa Senhora tenho-a sempre comigo principalmente em minhas viagens. Rezo raramente seu rosário mas tenho-a sempre comigo. Gosto da história dos santos e tenho um amor de predileção por Terezinha de Jesus por sua simplicidade na vivência da fé. Lembro-me muito de Sant’Ana e Joaquim por serem a eles os padroeiros de minha terra. E São Judas Tadeu por um tradição de infância por ter uma imagenzinha sua sempre em minha casa. Lembro-me também de São José pelos tempos de seminário e por tê-lo como homem justo. Não cultuo imagens, mas as tenho como imagem que são e significado e mensagem que traduzem.

As vezes no banho me pego cantando cânticos ou salmos em latim ou vernáculo, em gregoriano ou normal. Irmão sol e irmã luz sempre me vêem a mente pela manhã. Não posso negar, o catolicismo é forte em mim e no que sou. Todo ritual católico é cheio de significado fundamentada na bíblia e na tradição da Igreja. Gosto porque aprendi a gostar e entendo esses significados. Pena que poucos sabem disso e acabam achando pouco sentido nas celebrações nomeando a missa e outros ritos de algo monótono e sem sentido. O povo precisa e deve saber das coisas de sua fé. Não se ama o que não se conhece.

Religião tem que ser canal. Tem que “religare”. Tem que ser instrumento de conexão com o Divino. Meio de praticar a espiritualidade. Tem que ser ponte e não abismo entre os homens e Deus.

Mas não pode alienar, tem que libertar. Deve cuidar do crente como ser humano dotado de corpo e alma, espírito e matéria. A espiritualidade é a essência. A vivência deve refleti-la. A religião recarrega-nos, recicla-nos. Endireita-nos quando descarrilamos. Põe-nos novamente nos trilhos que insistimos em deixar. Somos povo de cabeça dura e a espiritualidade nos trás para nosso centro que insistimos em deixar. A espiritualidade fortalece nossas crenças, permeia nossa atitudes, fixa nossos valores. A religião é instrumento para a manutenção de nossa espiritualidade. Nossa essência. Se tua religião te leva a pecar, arranque de tua vivência...

Hoje mesmo fui à missa, depois de longa estiagem, e descobri surpreso que era Pentecostes. Missa mui bem celebrada com incenso e cânticos de salmos e “Veni creato” em latim. Gostei da missa, sai bem de lá. Dias hão que vou a missa e saio do mesmo jeito. Coisa normal, natural. A de hoje foi boa. Saí inspirado...

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 27/05/2012
Reeditado em 31/07/2016
Código do texto: T3691550
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