Olhar que afasta, olhar que acaricia



    Mário Quintana, em sua imensa sabedoria de poeta plural, afirma em seu Jardim Interior : “O que mata um jardim não é mesmo alguma ausência nem o abandono.../O que mata um jardim é esse olhar vazio/de quem por eles passa indiferente.”
    Nas relações de afeto que construímos o modo de olharmos o outro é fundamental, decisivo. O olhar acolhe ou abandona.Pode ser doce e terno, estimulante, raivoso, castrador, apaixonante, indiferente. O olhar determina a intensidade, a temperatura e o nível do convívio.
     Nas demais relações, em especial, nas relações em que ocorrem situações de aprendizagem, o olhar ensina das belezas, das tristezas, das delicadezas ou das asperezas da vida, afinal quem,senão quem educa, “ensina a ver”?
Partilho com vocês um trecho da uma entrevista do escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, que nos deixou em janeiro deste ano,ao projeto Paiol Literário  promovido pelo Rascunho* pois comungo do mesmo pensamento e opinião: “Há pessoas que quando nos olham nos afastam. Outras, quando nos olham, nos acariciam.”
     “Quando entrei na escola, já sabia ler e escrever — o meu avô já havia me ensinado. Mas tinha tanta vontade que a dona Maria Campos — minha primeira professora — gostasse de mim, que resolvi esquecer tudo. E aprendi tudo outra vez. Ela ficava tão feliz comigo aprendendo tudo o tempo inteiro, rápido. E tudo o que queria na vida era que ela gostasse de mim, mais nada. Quando dava aula para professores em especialização, brincava com eles. Acho que a criança quando entra na escola, não aprende porque vai prestar concurso, vestibular, nada disso. Ela aprende para ser amada por aquele que sabe. E o professor é aquele que sabe e ela quer ser amada por aquele que sabe. Acho que a aprendizagem no início da infância está na ordem puramente do afetivo. Sem isso não dá. Aprendi com Merleau Ponty que a primeira leitura que a criança faz na sala de aula é a do olhar do professor. Há pessoas que quando nos olham nos afastam. Outras, quando nos olham, nos acariciam. Há crianças que não aprendem porque o olhar do professor não deixa. Há criança que não usa a liberdade porque tem medo do olhar do professor. O olhar do professor imobiliza. Muitas vezes, jogamos nas costas dos métodos a não aprendizagem da criança, quando, às vezes, a aprendizagem da criança é interditada pelo olhar do professor, que é a primeira leitura que ela faz. Merleau Ponty descobriu uma coisa fundamental. Um dia, ele olha muito tempo para o sol e descobre que olhar dói. Ele começa, então, a fazer uma análise dessas coisas. Começa a perceber que ouvir uma música tão bonita às vezes pode arrepiar nosso corpo. Então, ouvir também é tátil. No gosto, posso acordar a memória. Então, o homem é uma coisa inteira, não é dividida em apenas cinco sentidos. Quando se trabalha com a infância é muito bom nos preocuparmos sobre o olhar que destinamos ao outro e que muitas vezes interdita o outro.”
 
Da Série Para Refletir

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