Caras
Não, colega, não sou única, tenho muitas caras. Há em mim, multidões, existem fragmentos de outras e seres inteiros e desconhecidos que me preenchem. Existem brincos de cigana e sinais de beijos. Minhas feras me ocupam todas e algum anjo deixou pedaços de asas por aqui. Manhãs me saciam de luz, para sempre estigmatizada. Noites me ocupam, em nudez e isolamento. Diferente, caminho em fragmentos, deleito-me com eles e, com eles, derramo lágrimas. Algumas vezes, me aquieto; em outras, desato-me em caminhos indefinidos, saltando muros e entrando em contato com o sol. Existem máscaras, de alegria, umas; outras, enegrecidas, parecem-se com a morte. Sou várias.
Lua, percorro meus mundos em busca de luz própria, perdida em meio aos astros indiferentes a me fascinar.
Bicho, carrego meus arquétipos da mata, da carne que se parte e verte sangue em minha boca, na avidez dos dias e noites e esta fobia que me trancafia em cavernas.
Criança, acredito em promessas, no hoje, no que há de vir.
Mulher, desafio os deuses e os amores e saio incólume e resistente, como do útero.
Beduína, rabisco outras trilhas de sol, fugindo da secura dos velhos rumos, das miragens, da sede, dos sofrimentos.
Amante, devasso-me, devasto meios-termos e indecisões, na desordem lenta ou rápida da dança. Tango? Bolero?
Deusa, beijo as pedras mundanas por onde os pés do meu amor edificam seus destinos, sem crer em minha existência.
Noite, calo-me na solidão das horas e aguardo o meu dia acontecer.