SAUDADE DE PÁSSAROS

Para outro pássaro longe... longe... Para meu outro pássaro triste... triste... que eu quisera ainda poder ver feliz, mesmo que para sempre sem nós dois

Certa vez sonhei que era um pássaro a voar sobre o mar, a pousar numa ilha. Nunca mais vi o pássaro que fui. Nunca mais. Sou a saudade do pássaro, de dois pássaros que vi num sonho antigo, a voarem sobre um mar antigo, a pousarem numa ilha antiga. Sou a saudade de dois pássaros. Nada senão isso. Nada mais do que isso. As palavras sobreviventes são apenas a ausência que não me consigo mais suprir dos pássaros, do mar, da ilha, do céu, que existiram num sonho antigo... antigo… hoje feito de névoa… de névoa… irremediavelmente... saudade de nós dois, pássaros, dos pássaros naquele céu antigo que existiu para nós, só para nós, pássaros que fomos, em um sonho que sonhamos no mesmo sonho, já que éramos um. “Para isso fomos feitos… Para chorar e sermos chorados…”, disse Vinícius. Que, à falta de mar, ainda me existam lágrimas. Ao menos. E a ti, meu triste pássaro, meu sempre bem-amado pássaro, também. Que ainda te existam lágrimas, para chorar por nós, por quem os sinos se cansaram de dobrar, por nós por quem os faróis se quedam ainda, inúteis, na sua sempre espera inútil por nós.

Na tarde de 29 de setembro de 2012, primavera aqui, no hemisfério sul.