Eu, finada

Acho que não devia existir dia de finados. Ora, ora, um dia pra lembrar quem a gente não esquece! Mais absurdo impossível.

Só que foi nesse dia, exatamente.

Comecei a planejar minha partida, ou melhor, idealizá-la. O motivo é o que menos importa diante da morte. Decidi que não quero flores, afinal não faz sentido algum. Flores só me interessam enquanto puder tocá-las, cheirá-las, correr feito louca buscando uma maneira eficaz de conservar e, quando não mais adiante, guardá-las separadamente dentro de cadernos e livros antigos ou guardar apenas uma, só pra ter o prazer de lembrar que existiram, depois de algum tempo. Em vez de flores, que se compre meu perfume preferido e espalhe pela casa, nos momentos de ausência latente. Fazendo-o, serei lembrada com tanto carinho quanto aquela flor de outrora, que já morreu, mas ainda vive entre as páginas de alguma história ou ciência, cuja existência remota é, por si só, capaz de despertar novamente alegria. É assim que quero ser lembrada e homenageada.

Chega-se ao funeral. Chega de ressaltar qualidades que nunca possuí e lamentar a perda da pessoa-pseudo-perfeita. Talvez a situação seja calorosa demais pra se exigir um raciocínio dessa magnitude e, por isso, o adianto: a morte é pontual; a gente é que se atrasa. Atrasa as palavras, o trânsito, a entrega e segue procastinando (burramente) a vida. Ao menos isso, terei aprendido, muito embora a prática não seja uma constante. Errei e errei feio. Tente lembrar dos últimos encontros e, se possível, do primeiro; das divergências de opinião e do meu jeito irritantemente teimoso de ser, aliás, de ter sido. Recorde as minhas poucas palavras e a superioridade da qual me costumava me utilizar quando, enfim, você reconhecia um erro. E o jeito estranho de aparentar segurança, à beira de um ataque de nervos. Pense baixinho: “que pessoa esquisita”! Já não poderei espalhar seus segredos, apesar de insistir em decifrar os pensamentos.

Por fim – e não menos importante, o fim. Gran finale! Não é coisa de agora; sempre pensei dessa forma. Dá preguiça de ser enterrada. Ocupar espaço físico, tão-somente e continuar atrapalhando vidas. Quero ser prontamente transformada em pó. Deixar de existir de vez, ser jogada ao vento por pessoas que muito me tenham amado e, quem sabe, voltar a encontrar suas faces, em outra ocasião, outra direção e intensidade. Seria lindo.

Natália Meneses
Enviado por Natália Meneses em 05/11/2012
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