RENÚNCIA AO PRÓPRIO NOME

No início da madrugada de 14 de novembro de 2012

Às vezes urge renunciar até ao próprio nome para se poder ficar perto de um ser, quando este ser nos chama, quando atendemos ao seu chamado. A mim coube mais esta renúncia, também. Por ti, homem. Como sempre. Eu não te abandonarei, jamais; jamais te abandonarei. Que nome se dá a este sentimento? Ultrapassa nomes que eu consiga dizer, articular, embora eu saiba, em razão de estranho destino, que tudo o que articulo e tudo o que não articulo faça sofrer outros vários seres bem como, por consequência, faça sofrer também a mim. A bem da verdade devo dizer que jamais posso abandonar ninguém, por destino... por direito (?)... por dever.

A vida inteira julguei-me Maria do Carmo, por que teria que vir a saber-me Carmen? Por que ironia terrível vim a saber-me Carmen, e Carmen sempre à minha revelia, Senhor Meu Deus! Eu, a mais comum das mulheres, a mais banal de todas as mulheres e, pensei, a mais inexpressiva e inofensiva das ciganas deste mundo. Hoje uma velha cigana aposentada de tudo, apenas. Por que eu? Por que este autoengano sempre à beira de tragédias fundas... tragédias d’almas, tragédias de vidas? Estranha Carmen, é verdade, com certa dimensão funda das coisas do sagrado, e tudo é sagrado, principalmente os segredos de cada coração. Muito pouco típica, mas, Carmen. Toureiros... touros... arenas... dores... lutas sem tréguas... arenas n’alma... n’almas... ocultas arenas... rostos de areia... vermelhos-sangue que só se queriam azuis... só se pretendiam azuis...

Consolai-vos, que eu sempre tenho morrido mais do que todos vós juntos, senhores e damas. Eu sempre tenho morrido muito mais porque, dentro dessa Carmen mora uma Maria do Carmo sempre em sacrifício e em sacro-ofício. Sempre. Vós me entendeis? É tudo com que ainda ouso sonhar, que ainda ouso querer: que vós me entendais. Que mais posso ousar querer, além disso? Há algo que eu ainda tenha o direito de vir a ousar querer? Acreditai-me: eu sou ninguém, sou apenas ninguém. De todo modo, se desejar ainda algo que caiba a este ninguém, dai-me da vossa ternura, se ainda a podeis e quereis dar. Dai-me da vossa ternura, ainda que sempre à distância, e tal me será o tesouro possível mais do que nunca bem-vindo. Mais do que nunca bem-vindo. Não posso, não ouso, não devo, não tenho direito a mais.

Quisera eu tudo fosse diferente. Quisera eu um tempo novo. Ah, bem o quisera, eu, mas “the dream is over” embora, Poeta, uma vez nascidos, sonhos não consigam mais morrer nem ser assassinados. John Lennon sabia disso, não morreu por nada. “Never more”, diz o corvo de Poe. Ah, never more, eu vos digo, com tristeza, com dor. Sou eu quem não tem o direito de sonhar. Sou eu. Ao menos para o real imediato dos dias. Como me tem sido a vida inteira, aliás.

Escrita ainda na noite de 13 de novembro de 2012.