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Pessoas numa fila teimam em aguardar,

Um livro velho de contos amarelando cada vez mais na prateleira de um sebo qualquer, também aguarda.

As pessoas numa fila aguardam por algo em comum, algo provavelmente necessário, casualmente oportuno, e raramente vital. No momento exato que a fila está formada, lampejam nos cérebros de todos, coisas parecidas, seja consciente ou inconscientemente, e no instante seguinte ao conseguirem aquilo que lhes trouxe até a fila, é provável que nunca mais tornem a ver-se, mas a incerteza da vida, esta que percorre o micro e o macro de forma magnífica, não nos permite afirmar isso.

O livro exposto é um viajante, um amante passageiro, que prende-se sim por um tempo a alguém, aguarda silenciosamente a liberdade, envelhece, modifica-se pela mão do leitor, mas ainda assim não é capaz de ser dominado, e é quase certo que percorrerá novos caminhos no futuro, sentirá novas mãos em suas páginas e fitará uma nova coloração de olhos a lhe decifrar. Seu destino é tão incerto que poderá viver muito, chegando inclusive a tornar-se parte de um acervo de museu, ou poderá também desaparecer na chuva imprevista do dia seguinte...

Os contos são como sonhos: essenciais e excedentes, caóticos e coesos.

São anônimas e ferozes explosões no fundo do mar desconhecido,

São improváveis e belas flores roxas no concreto cinzento recém desformado.

Não seria cada pessoa numa fila como um conto em um livro?

Livre,

Imensa,

E comum?

M.A.S.P.