Amor póstumo
Ela era uma menina pequena. Uma daquelas que você quase pisa - e pisavam - às vezes. Corria por entre os cantos da sala, com seu cabelo sempre maquina dois, fingindo ser um rato atrás de queijos, de beijos.
Tremia de emoções com filmes que atiçavam os sonhos pequenos, a coitada.
E rastejava atrás, à sombra, de namorados imaginários.
Pintava os lábios de vermelho ao pé da penteadeira da mãe, já falecida.
E se fingia de mulher, que era.
Nos dias escuros procurava por furos de sol no céu. Queria saber quantas nuvens formavam o nublado.
Nos dias claros fazia questão de olhar para o chão - a luz a assustava.
Mas um dia, um dia qualquer, um desses dias que você acha que vai ser mais um, ela trombou com um menino pequeno.
Um menino de cabelos longos, que a chamou de meu bem e a fez crescer.
E juntos recolheram o pó das esquinas de seus corações;
Juntos, perceberam que o nublado é um véu inteiro.
Juntos, deram-se a beleza de ser.
E juntos esmaeceram ao perceber que nunca existiram.