Divagando sobre a vida.

A vida é interessante e ao mesmo tempo misteriosa. Há coisas que muitos vão passar e há situações que uns passam e outros não, mas a verdade é que as coisas se repetem.

Moro numa casa de 140m2, num bairro muito simples. Entre o meu bairro e outro, do outro lado há uma baixada, e lá embaixo passa uma pista que chamamos de anel viário.  Com minha câmera fotográfica nova eu consigo ver melhor as casas do outro lado, a cerca de uns 300 metros.

Um dia resolvi ir do outro lado e fotografar minha própria casa. Custou a achar, no meio de tanta construção parecida. Notei que meu lado do anel viário é mais feio que o lado de lá e minha casa não é bonita, pelo menos não olhando daquele ângulo.

Somos assim mesmo, a gente repara nos outros, mas esquecemos de reparar em nós mesmos.

Construí uma varanda muito gostosa e dali vejo vários bairros. É um lugar muito agradável. À noite a meia luz é tranquila, da pra escrever, meditar, filosofar.

Tenho uma pequena piscina que só dá trabalho, pois ninguém usa, mas usando ou não a água deve ser tratada, evitando a proliferação de insetos e por uma questão de beleza também.

Há bastante verde, até mais que deveria, tanto que a piscina fica sempre com muitas folhas. Mas é bonito ver a beleza da natureza. Folhagens verdes, avermelhadas como o coração tinhorão, flores amarelas, vermelhas, azuis, rosa, lilás. Tem até planta com folhagem roxa.   Essa parte do terreno é pequena, deve ter uns 80 m2, mas sempre há flores enfeitando. Duas dessas flores eu nunca havia visto, as sementes provavelmente foram trazidas por algum passarinho. Uma é uma trepadeira de folhagem em pequenas tiras, com minúsculas flores vermelho-rubi, em forma de corneta. A outra tem folhas que parecem de violeta, mas a flor é roxa e lembra vagamente uma orquídea.

As pessoas dificilmente estão satisfeitas com o que tem ou onde moram. Muitas pessoas gostariam de morar em outros lugares, ter uma casa diferente ou até uma vida diferente.

Eu por exemplo vejo que minha casa tem muita coisa a ser feita e pintura é uma delas. Falando em termos de acabamento ela é feia, mas vejo casas tão lindas e ao mesmo tempo tão mortas.

Há pessoas que nem querem arvores para não ter que varrer aquilo que chamam de sujeira, as folhas que caem. É muito bonito ver as folhas no chão, é natural. Quintal totalmente vitrificado que não é natural.

Acho que minha casa é a única que dá maracujá no telhado. Alias sempre tive essa mania, mesmo quando morava em São Paulo capital, onde é raro alguém ver um lindo pé de maracujá. Lá minha garagem era uma enorme parreira de maracujá, bem de frente pra rua. As pessoas paravam para ver aquele monte de bolinhas penduradas.

Agora essas bolinhas, originárias de lindas flores da paixão, ficam em cima do telhado. Já ocupam quase a metade e tenho que tomar cuidado para não subirem na antena. Já tive que podar porque grudaram no fio do telefone chegando até ao poste da rua. Ali se vê os maracujás pendurados.

Muita gente reclama que não tem nada pra comer, mas ninguém planta um pé de maracujá. Comprei alguns maracujás no mercado e depois de fazer suco plantei as sementes. A área é de uma pequena jardineira e dali três maracujazeiros sobem em direção ao telhado.

Obviamente que por conta própria eles não chegariam até lá. Tive que ajudá-los com alguns arames e fios. Inclusive em cima do telhado eles não teriam onde se fixar se não fossem alguns arames presos nas telhas. Bananeiras também são de cultivo fácil e por incrível que pareça dão bananas, as mesmas que estão à venda em feiras e supermercados. Acho que deve ter gente que pensa que bananas ou maracujás são industrializados.

Creio que não sou uma pessoa totalmente normal, dadas as coisas que faço e penso.  Não gosto muito de tudo igual, gosto de inventar, fazer do meu jeito, quebrando alguns paradigmas e conceitos.
Creio que num mundo com tantos milhões de pessoas deve ter muita gente exatamente igual a nós, com os mesmos ideais gostos, manias, desejos, sonhos, frustrações, mas que nunca chegaremos a conhecer. É como passarmos a vida inteira sem chegar a conhecer nossos irmãos de alma.

Já é quase meia-noite, ouço alguns sons de carro em movimento, porém poucos. Cachorros latindo. De vez em quando um som de rã e alguns outros sons de animais ou bichos que não sei distinguir quais são. A cada minuto que passa o silêncio aumenta.

Do outro lado ainda há muitas casas com luz acesa ou imagens azuis que deve ser de televisão ligada. Cada família tem sua história, seus problemas, seus sonhos, suas alegrias e dramas. Será que todas são diferentes?  Porque será que tanta gente passa por problemas que outros já passaram, sendo que muitos poderiam ser evitados? Creio que cada um tem que viver sua própria história, se fizer igual será plágio.

De onde estou vejo a porta balcão do meu quarto e do quarto de um de nossos filhos. Ouço minha esposa roncar.  Não é só homem que ronca não. Algumas vezes ela ronca tão alto que acorda com seu próprio ronco, e assustada ainda, tentando saber de onde veio aquele barulho.

Creio que a vida moderna nos tirou a vida. Nós seres da civilização não vivemos como pensamos, mas sim sobrevivemos.  Temos que trabalhar muitas horas por dia para pagar coisas que nem precisamos. Ganhar mais dinheiro para por um piso mais bonito na casa. Ganhar mais para pagar assistência médica e remédios, que são necessários devido a essa vida inadequada.

Passamos a maior parte da vida nos preocupando ou tendo problemas com coisas que poderíamos viver sem ou talvez com coisas mais simples e menos bonitas.

O que precisamos na verdade não é telefone, TV, carro, geladeira, microondas, computador, roupas e mais roupas. Vários tipos de talheres, xícaras, tigelas, cremes pra tudo, perfumes, desodorantes.


Somos civilizados e modernos e por isso temos que ter tudo isso, sendo que precisamos apenas de alimentação, água e algo para nos proteger do frio e do sol.
Será que os pássaros são infelizes por não terem inteligência e não falarem e se comunicarem por celular?

Pois é, vivemos em sociedade e temos que nos preocupar com o que os outros acham, não podemos ir descalços ao banco, todo mundo vai achar estranho.

Um dia passei por algo assim. Estava em casa com uma bermuda colorida, dessas que se usa na praia. Por alguma razão que não me lembro qual peguei o sapato social que tirei ao chegar em casa do trabalho, um bico fino que estava na porta. Calcei e fui até o quintal fazer algo, depois fui fazer alguma outra coisa e me distraí. No fim, depois de voltar do banco minha esposa me olha de cima abaixo e cai na gargalhada, chegando até a chorar. Foi ai que entendi que não sou tão lindo quanto pensei ser. Na verdade as pessoas do Banco me olharam por achar muito estranho, um sujeito magro, alto, de bermuda colorida, sem meias e calçando sapatos sociais bico fino. Realmente era muito cômico e em nenhum momento eu percebi, nem mesmo quando fui falar com o gerente do banco.

Será que ninguém percebeu que eu me enganei? Será que achavam que andava assim mesmo?

Ainda bem que na vida da gente ocorrem essas coisas, isso gera assunto e alegria pra muita gente, são pequenos momentos de felicidade, tanto para nós como para os outros.

Rir é um santo remédio. A maior e melhor terapia que existe. Espanta tudo que é de ruim. Pena não termos motivos para rir o dia inteiro.

Já se passou uma hora, o único som é de alguns grilos e alguns carros que passam ao longe. Amanhã para todos nós será mais um dia. Um dia com trabalho, preocupações, contas pra pagar, coisas pra comprar ou arrumar, decisões a tomar.

Será que a vida é isso? Será que o fato de nos tornarmos inteligentes demais nos fez procurar explicações demais para tudo? Será que a vida totalmente simples não era melhor?

Enquanto escrevo esse texto, e no mesmo momento que alguém o lê, acontece de tudo nesse pequeno mundo nosso. Gente brigando, gente matando e morrendo, gente nascendo, gente morrendo de fome, gente tendo uma deliciosa relação sexual, gente chorando, gente rindo.

O mundo é repleto de incoerências, sendo governado por homens que permitem desgraças dos mais diversos tipos; crianças que nem sabem o porquê estão agonizando de fome, sede e frio. Crianças que não tiveram tempo para pecar e serem castigadas.

No mesmo momento que ocorre um espetáculo de humor num teatro qualquer, onde as pessoas se divertem rindo compulsivamente, em outro teatro, o teatro da vida apresenta dramas inimagináveis, reais e simultâneos, mas como não vemos e não sentimos fazemos de conta que não existem.

Esse é o mundo em que vivemos, o mundo da completa incoerência. Onde seres da mesma espécie vivem experiências totalmente opostas. De um lado alguém sofre por não ter um tênis importado vermelho, e do outro alguém não chora por não dispor de água suficiente no organismo para fazê-lo.

Mas a vida continua, se não podemos ajudar, chorar e ficar triste também não vai resolver. Orar ou rezar também não, caso contrário não haveria miséria e dor no mundo.

O jeito é curtir da melhor forma esses anos que passamos por aqui e sem se preocupar demais, pois com ou sem preocupação tudo vai passar e tudo vai acabar.

Um dia um espermatozóide fecundou um óvulo e mais adiante tudo virou pó.

De um momento extremo ao outro, a diferença está no que vamos fazer em benefício dos outros. Todos nós temos o poder de gerar felicidade, ainda que não tenhamos percebido isso.

Fazer isso para as pessoas próximas é obrigação, mas fazer para estranhos é solidariedade e só assim a tristeza será reduzida pouco a pouco, num efeito multiplicador.
 
Claudio Cortez Francisco
Enviado por Claudio Cortez Francisco em 14/02/2013
Código do texto: T4139084
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