SOMOS A MAIS CONTRADITÓRIA CIVILIZAÇÃO DE TODOS OS TEMPOS

Poderia dizer que, vivendo a era tecnologicamente mais avançada de todos os tempos, conhecemos a geração mais contraditória de todas as eras, referindo-me aos jovens de agora e suas aparências bizarras e violentas, além das filosofias de esquina que propalam e postam nas redes sociais expressando surpresa decepção com deslealdade de suas famílias, parentes e amigos. Essa geração espera tudo de todos, mas ninguém pode contar com eles ou esperar que correspondam aos compromissos que assumem. Essa geração rebela-se contra seus pais e as normas tradicionais de moral e conduta em nome da liberdade, mas não respeitam as escolhas de seus pais e submetem-se e obedecem a pensamentos e comportamentos destrutivos padronizados, destruindo-se para agradar a seus mentores e tribos, consumindo-se com estafa, alcoolismo e drogas.

Embora toda essa contradição, não seria, porém, essa geração a civilização mais contraditória de todos os tempos, mas a sociedade atual, à qual pertenço, o é, pois é toda contradição. Trata-se de pessoas querendo paz, mas sem nada de paciência, misericórdia e tolerância. Falamos em amor ao próximo, mas não nos incomoda a violência e crueldade em nossas palavras e atitudes para com quem mais nos ama e não temos a menor compaixão para com os necessitados, desafortunados, doentes, cansados, desanimados, animais e a natureza. Não temos misericórdia ao insultar nossos pais e mais velhos, desmascará-los com crueldade e insolência, decepcioná-los e rebaixá-los para abafar suas censuras e conselhos ou para justificar nossas atitudes imorais, indecorosas e perversas. Reclamamos cortesia e direitos, mas vivemos disputando, burlando e roubando a vez em todos os lugares, além de violando os direitos elementares do convívio, sem nos importar com quem empurramos, contundimos e apavoramos. Falamos em preservação dos bons relacionamentos e do meio ambiente, mas não abrimos mão de nada por qualquer relacionamento, além de vivemos como animais a sujar por onde andamos. Além do mais, difundimos filosofias ridículas como “minha educação depende da sua”; “sou cristão, mas minha paciência não é”, “sou duro com quem é duro comigo”, etc., sempre achando uma justificativa nas atitudes dos outros para nossos descontrole e selvageria.

A verdade é que queremos impor a todos nossa maneira de pensar e ver as coisas. Se vemos as coisas por um prisma lógico, ponderado, racional, humanitário, coerente e adequado, nos incomoda os outros não verem assim. Nos irritamos por isso e facilmente somos selvagens com os que dissemos ignorantes. Se agimos educadamente, nos irritamos e nos tornamos ríspidos e até mal educados com quem não é. Se agimos polidamente, tratamos aos trancos os que não são porque sua falta de compostura nos afronte. Se tratamos com cortesia, perdemos a compostura facilmente com que não age com cortesia.

No fim, em nada somos melhores do que os que julgamos grosseiros, pois, se somos um pouco melhores, não suportamos e nem toleramos os que não agem como é devido. Logo, nós que nos julgamos modernos, avançados, controlados e livres, somos primitivos, guiados e escravos de nossos impulsos.

Pois bem, nossa sociedade é assim contraditória, pois, querendo corrigir os que estão errados, age de maneira tão errada quanto; querendo combater a violência, agem com desmedida violência; querendo corrigir a grosseria, age com grosseria; querendo combater a intolerância, age com maior intolerância; com o intuito de combater a impaciência, age com impaciência, para combater o crime, age criminosamente; para melhorar o que está ruim, age de maneira muito pior. Vivemos sufocados por um desejo incontido de sufocar os outros e fazer que eles vejam de maneira clara como vemos e descubram que estão errados em seu modo de agir. Queremos dar lição, mostrar as pessoas que não têm direito de errar conosco, fazer-nos perder tempo, dar-nos prejuízo, negar-nos nossos direitos. Mas, em contrapartida, não suportamos que nos critiquem, nos chamem a atenção, nos corrijam, etc.. E, sempre que podemos, tripudiamos e negamos a qualquer um os seus direitos. Essa é a sociedade que procura paz, uma sociedade que caminha para o completo colapso.

Não temos qualquer constrangimento moral em utilizar meios públicos para a torção de braço de nossos semelhantes e extorsão de pessoas. Há algum tempo um juiz norte americano pediu na justiça uma indenização milionária a uma lavanderia por ter atrasado na entrega de seu terno. Para sorte da moral humano, o juiz que julgou o caso achou que ele não tinha direito, pois a ele mesmo cabia ter ou providenciar outro terno para usar em seu trabalho. Por sorte, porém, pois é capaz de alguns desses expoentes da moralidade acharem que os salários “miseráveis” que recebem não lhes possibilita ter mais do que um terno, obrigando-os a ficar de roupão enquanto o terno de guerra está na lavanderia.

Pior mesmo é que chegaremos a um tempo em que pessoas sofrerão pena de morte por maltratar animais. Aliás, já vi na internet madames dizendo que certa veterinária devia morrer por ter matado com procedimentos inadequados o animal de uma delas. E um promotor de justiça brasileiro usou o órgão público para pleitear indenização pelo cãozinho morto. Isso é imoral. Enquanto isso, crianças morrem de fome e frio nas favelas e todos esses corretíssimos cidadãos viram-lhes as costas dizendo que o sofrimento desses seres humanos não lhes diz respeito.

Eis, portanto, nossa sociedade contraditória, a mesma que pretende paz.

Ontem passava por um motorista que com esforço tirou seu carro enguiçado do meio da rua pondo-o junto à calada, sem ver, porém, que onde pôs o veículo era um ponto de taxi. Um taxista que chegava, antes de oferecer-lhe ajuda, já desferia impropérios, mandando que o rapaz tirasse o carro de onde ele tinha que passar para pôr-se no primeiro lugar do ponto. Achando que era muita grosseira e falta de entendimento e bom senso do taxista, o rapaz dirigiu-se a janela do veículo dizendo com o dedo no rosto do motorista que ele deveria deixar de ser ignorante, não vendo que o rapaz tinha escolhido desobstruir o trânsito intenso do horária, mas tendo como alternativa imediata apenas pôr o carro no lugar que pôs. O motorista, porém, intransigente e incompreensivo, insistia que o rapaz não podia deixar o carro onde estava, pois estava obstruindo o seu trabalho. E, diante de tai irracionalidade, a indignação do rapaz aumentou e vi que estava a ponto de soquear o rosto do taxista através da janela.

Quem poderia resolver esse impasse? Um policial aplicando multa e guincho e prendendo os contendores? Quem estava errado e quem não estava contribuindo para a paz?

Num contexto onde se quer produzir a paz, o motorista do taxi desceria, cumprimentaria o rapaz e lhe ofereceria ajuda para pôr o carro enguiçado em um lugar onde não atrapalhasse ninguém. O rapaz do carro enguiçado pediria desculpa, sugerindo que o taxista desviasse de seu carro pondo-se no seu ponto à frente. Eu, que, já dobrando a esquina, temia que o rapaz agredisse fisicamente o taxista, pensei que deveria ter me oferecido para ajudar a retirar o carro enguiçado e pô-lo além da outra rua, num lugar próprio, deveria ter feito isso. E não precisaria policial, nem juiz, nem advogado, nem prisão, nem separação, nem choro, enm sofrimento algum.

Felizmente aqueles dois não chegaram a tanto, mas agressão e morte estão se tornando cada vez mais comuns em nossos dias por muito pouco. Facilmente pessoas normais se tornam criminosas por meros equívocos e discussões, pois esta é a paz que a civilização mais culta e contraditória de todos os tempos está construindo sem Deus.

Wilson do Amaral.