SINTO-ME NU...

Vagueio pelo convexo e pelo côncavo das curvas

Para que não me vejam cambalear nas retas

Não vá alguém vociferar que estou embriagado

Ou, pior ainda, ache que deveria ser internado num hospício

Vivo num pedaço de terra onde me empurram sem piedade

Empurrões que não sendo físicos me descalibram a mente

Como se em mim quisessem instalar a voz do único sentido

Sinto-me nu… ou melhor, imaginam-me nu

Não vá qualquer peça de roupa infringir a lei

Através do cheiro ou da cor que possa amolecer o legislador

E assim, revoltado por dentro e impotente por fora

Vou comendo as sobras que restam do último banquete

E tentam calar-me sem serem precisas palavras

Mostrando o espectro da fome que mata os que ainda pensam

Sinto-me nu, ou melhor, imaginam-me nu

Depois de tanta lavagem, como se um homem fosse um carro coberto de poeira

Ou um miserável acabado de se salvar do pantanal

Doem-me os joelhos de tanto tropeçar

A garganta de tanto gritar basta

O pescoço de tanto girar na procura da rota certa

Mas mantenho-me de pé

Quero vê-los cair antes de entrar num hospício.

Ângelo Gomes
Enviado por Ângelo Gomes em 14/05/2013
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