PREMONIÇÃO

Por favor, não me pergunte por que me lembro disso hoje... Recordação boa pode ser um ótimo motivo que enleve o pensamento para reminiscências, todavia, junto com as lembranças mais agradáveis, surgem também aquelas entristecedoras, mas o fato é que no dia 08/06/2006, ao seguir de carro para o trabalho, ouvia como é meu hábito diário, o programa “Jornal da Manhã” pela rádio Jovem Pan.

De súbito, foi noticiada a perda de um grande radialista; falecia nesse dia, Fiori Gigliotti, ícone das transmissões esportivas no rádio do Brasil. A notícia me aturdiu, e aos poucos fui desacelerando a marcha do carro para melhor inteirar-me dos detalhes do nefasto acontecimento... Pensamentos pertinentes e outros mais desconexos lancetavam embaralhadamente minha memória, e alguns bordões utilizados por aquela figura latente me invadiam os pensamentos sem nenhuma cerimônia e tampouco licença para tal. “Não adianta chorar, torcida brasileira” ou “Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo”, como usualmente dizia o narrador agora finado.

Embora fosse aquele senhor uma figura nacionalmente conhecida, respeitado não somente pela maestria com que exercia a profissão que o fizera destacar-se, como também por sua postura sóbria, sensata e pelo exemplo de cidadania que transmitia a todos, percebia-me sentindo uma tristeza, cuja proporção parecia muito maior àquelas cabíveis nessas situações, pois ainda que admirador fosse não éramos parentes, tampouco amigos, ou sequer nos conhecíamos. O efeito quase que devastador que essa informação trouxe, deixou-me como que anestesiado pelos minutos ou horas seguintes, com uma sensação de torpor que somente o pequeno discernimento que me restara então, fazendo lampejos de serenidade, mostrava-me que algo absolutamente anormal ocorria no meu íntimo. Era o intróito da premonição, que mais tarde, ou ainda na manhã seguinte seria confirmada pela notícia mais contundente e avassaladora que já recebi na vida...

*****

...O som peculiar do Nextel chama-me a atenção. No visor percebo tratar-se de chamada internacional; coisa corriqueira para quem tem grande amigo morando no exterior, todavia após minha saudação efusiva e talvez um tanto incompreensiva caso alguém mais a compartilhasse, percebo um fio de voz do meu interlocutor. Não me chamou Claudioso, nem Gordelo, e esse fato, causou-me o mesmo torpor da notícia anterior. Ainda nada tinha sido dito, mas já sentia novamente a sensação da premonição...

Aquele que tentava falar comigo era um dos componentes daquilo que sempre entendemos como um “triangulo amigoso” (neologismo de minha própria lavra), dado o entrosamento que tínhamos os três. O primeiro indício de que deveria estar ocorrendo um engano piramidal, seria exatamente a inversão dos papéis, pois num centésimo de segundo, imaginei que se ao acaso houvesse mesmo uma ocorrência gravíssima a respeito do nosso “amici” comum, eu é que deveria passar a ele, pois se não estávamos tão perto, ao menos estávamos no mesmo país.

Ele hesitava na informação; não dizia diretamente, parecia não querer afirmar o que já a essa altura era irreversível, dizia que era uma pena e eu sabia que o Pena talvez não quisesse mesmo entender, por que não valia a pena. Fala Pena; c******! O linguajar chulo era nossa especialidade e maior cumplicidade, talvez.

Conheço muito bem as “pernósticas” expressões dele, que aliás, assim não eram; apenas um jogo de palavras. Sentia que lá na América ele engolia seco, falava baixo, entrecortadamente e com certeza tinha a palidez mórbida estampada no semblante. Finalmente disse: O nosso amigo, aquele de Leme, não está mais conosco... E retruquei: Tá “loco”? Não temos nenhum amigo comum em Leme, só o... Não consegui mais falar. Repentinamente tenho um rompante de clareza e percebo estar recebendo uma notícia de morte, e não querendo entender as metáforas, disse com todas as letras: Peraí, c******! Cê ta me dizendo que o Badidh morreu???? Juro que esperava, contava com um NÃO, "seu trouxa”! Mas recebi o maior, mais contundente, e certamente, mais difícil de dizer e de ouvir, SIM...

Tenho certeza que a mãe dele, as filhas e quem mais o amasse tenham sentido a mesma dor que senti, mas ninguém teve dor maior que aquela que passei a conhecer a partir daí... Uma moleza nas pernas, uma fraqueza surpreendente e até destempero intestinal tomaram conta de mim; nem sei como fui prá casa, mas no final tarde, já estava lá, no pátio do cemitério, para o nosso derradeiro encontro.

******

Anoitecendo, vejo o rabecão manobrando e tenho uma crise de choro convulsivo, uma emoção tão forte, que no momento em que faço este relato, ainda tenho um arremedo dele que quase não me permite continuar, ainda que sete anos depois.

A urna é aberta; no primeiro momento, me recuso a reconhecê-lo, chamo a esposa (dele) e digo quase feliz, que não é ele... Foi um engano! Mas o engano era somente da minha cabeça querendo arrefecer minha dor. Deveria estar amparando a viúva, e sou por ela amparado. Se vivo estivesse, ele diria: Vai “trouxa”, que não sabe nem falar fósqui... (coisa nossa, bobeira de moleques inteligentes e com o potencial subdesenvolvido).

Como minha última obrigação, falei no ouvido dele, bem baixinho: Arrependa-se dos seus pecados, entrega sua alma ao Senhor. Ele lhe salvará.

******

Poucos dias antes disso ocorrer, ele teria ligado em casa e não me encontrando, conversou por uns minutos com minha esposa. Ela percebendo que aquele talvez não fosse o melhor momento da vida, convidou-o para vir passar uns dias em nossa casa, para espairecer. Ao que parece, embora ela não creia nisso, também teve uma premonição.

QUE O MEU AMIGO ESTEJA COM DEUS.