PENSO...
Sei que a minha capacidade de assimilação se detiora
Mas para quem tiver dúvidas
Afirmo: eu penso
Penso em nome de um povo
Que é o meu povo
Penso naqueles a quem já retiraram as escadas
De um qualquer prédio, em qualquer lugar
Porque já estão tão leves, tão despidos de corpo
Que sobem ao quarto andar como que transformados em éter
E pousam…
Pousam numa casa vazia
Enxovalhados por paredes que riem
Na cara de quem já não tem forças para sorrir
Penso nos envergonhados que mitigam as mágoas
Nas covas profundas que lhe redesenham as faces
Ou nas mãos envelhecidas pela rapidez do tempo
Penso naqueles que comiam um bolo
E agora se contentam com o papel que o rodeia
Roendo migalhas que outrora deliciavam os pombos
Penso naqueles que tomaram o lugar de cães e de gatos
Na pesquisa pelos caixotes do lixo da cidade
Na esperança de que algum osso não tenha sido linearmente rapado
Penso em tanta coisa que não cabe numa simples folha de papel
Podem tirar tudo a um povo, ao meu povo
Mas não lhe roubem o cérebro
Porque é com ele que eu penso.