PENSO...

Sei que a minha capacidade de assimilação se detiora

Mas para quem tiver dúvidas

Afirmo: eu penso

Penso em nome de um povo

Que é o meu povo

Penso naqueles a quem já retiraram as escadas

De um qualquer prédio, em qualquer lugar

Porque já estão tão leves, tão despidos de corpo

Que sobem ao quarto andar como que transformados em éter

E pousam…

Pousam numa casa vazia

Enxovalhados por paredes que riem

Na cara de quem já não tem forças para sorrir

Penso nos envergonhados que mitigam as mágoas

Nas covas profundas que lhe redesenham as faces

Ou nas mãos envelhecidas pela rapidez do tempo

Penso naqueles que comiam um bolo

E agora se contentam com o papel que o rodeia

Roendo migalhas que outrora deliciavam os pombos

Penso naqueles que tomaram o lugar de cães e de gatos

Na pesquisa pelos caixotes do lixo da cidade

Na esperança de que algum osso não tenha sido linearmente rapado

Penso em tanta coisa que não cabe numa simples folha de papel

Podem tirar tudo a um povo, ao meu povo

Mas não lhe roubem o cérebro

Porque é com ele que eu penso.

Ângelo Gomes
Enviado por Ângelo Gomes em 15/06/2013
Código do texto: T4343540
Classificação de conteúdo: seguro