O desgosto

Costumo ir ao supermercado uma vez por semana para comprar mais coisas de uma vez só, basicamente comida, economizando tempo e dinheiro. Um pouco de carne, a fruta da estação, biscoitos, pão, chocolate e mais algumas outras poucas coisas que vão aguçar a vontade de comer, já um pouco desiludida com a repetição de alguns itens da compra semanal.

Hoje foi um pouco diferente. No meu caminho para o supermercado me deu fome e vontade nenhuma de pensar no que comprar para o jantar, e no fim repetir o mesmo cardápio. O restaurante chinês oferecendo 30% de desconto em todo o menu (a placa ainda diz oferta de inauguração, seis meses após a mesma) foi uma opção razoável. Porém, o já conhecido gosto do arrependimento bateu depois de saciada a “vontade de comer algo diferente.” Afinal de contas, gastei dinheiro desnecessariamente (mesmo com 30% de desconto ainda gastei o equivalente a R$ 15 para oito pecinhas de california roll e um suco de laranja nada fresh), o sushi não tinha nada de especial e ainda havia a tarefa de ir ao supermercado a ser cumprida, sobrando menos tempo para aproveitar meu tempo livre.

Isso tudo só me fez pensar em uma coisa: o paladar também está sob influência constante do descontentamento causado pela recusa da rotina. Assim como o ato de comprar uma roupa é bem mais satisfatório do que vesti-la, o simples ato de comer também virou uma promessa de felicidade. Não através do arroz e feijão de todo dia, mas através das vitrines dos restaurantes e dos outdoors que anunciam sanduíches épicos ou uma carne bem vermelha acompanhada de uma camada de gordura com sal grosso por cima. Viu? Só de ler já deu vontade de comer e de ser feliz.

É da natureza humana, se assim posso dizer, recusar a realidade. Nossa primeira reação em muitos casos de descontentamento é simplesmente mudar, “sair da rotina”, recomeçar, viajar para um lugar bem longe e assim por diante. Mas voltando ao caso da comida, a noção de que o que temos e fazemos já não é o suficiente é uma das razões por haver tantos programas dedicados a receitas, a novos talentos culinários e à constante reinvenção com os ingredientes de sempre. Por exemplo, há tempos estou com uma dica que não saiu da cabeça após assistir a um dos programas da BBC Food. Trocar a batata frita por tirinhas de abóbora assada. A apresentadora garantiu que é uma delícia e que pode ser até melhor do que a batata frita, por não conter culpa.

Como a psicologia já diz, o nosso “eu” primitivo, em contraste ao “ego” racional, vai sempre querer mais e se disiludir com a conquista, alimentando a cadeia do cunsumo exagerado, supérfluo e infeliz. Enquanto não descubro o nirvana de fazer as pazes entre os dois pólos cerebrais, a moral do dia para mim ficou sendo alimentar mais o ego e não ir ao supermercado com fome no "eu".