Preto e Vermelho

Tanta violência e tanta ternura. Tudo nos perde, tudo nos tem, tudo nos toma, tudo convém. Nossa inquisição é sangria da servidão, perdemos a janela para nossa pureza, apaixonados pela própria beleza. Cegos, felizes e vaidosos, comemos o futebol de glorias e medalhas.

O espelho reflete nossa miopia, somos um rosto deformado de identidades na busca da própria face perdida. Adormecido dorme o monstro e acordados estão os monstros. Embaixo da terra vive nosso passado.

A memória é um fantasma que deseja a todo momento retornar para o mundo dos vivos. Entretenimento é o alimento, veneno que narcotiza e jaula de prazeres artificiais.

O que está disponível seduz, parece luz na escuridão do nosso céu ou o escuro no excesso de tanta claridade. Buscamos estrelas em um céu vazio, não cabem todos os mundos na cidade.

Esperamos que o som rompa o silêncio e devolva estrelas. O fácil induz, aceitamos o pouco mesmo querendo muito mais. Sinos tocam na hora marcada. Tempo e trabalho resumem seus dias. Nossa verdadeira bandeira não é verde e amarela mas preta e vermelha.

O preto é o luto das muitas vidas roubadas, do verde queimado das matas. O desmatamento cria desertos em nosso solo, expulsa povos, apaga culturas e nos faz cinzas. Nele ecoam vozes do escuro, gargantas com terra e olhos sujos.

O vermelho é o sangue, liquido das lágrimas, choro sufocado de rios, lagunas e igarapés poluídos. Suor da violência nas ruas, quarteis, casas, espaços da cidade, campo e floresta. Pegamos um punhado de terra nas mãos e dele escoam feridas abertas.

Se erguem armaduras contra a essência, nossas culturas são cura e antídoto para nossa própria doença.