Neblina I

E quando as palavras se convertem em pedras que flutuam nas nossas entranhas como folhas em um rio? Nada além da neblina que tece os fios do sentir, apenas o puro reflexo do abismo.

Há nas matas intocadas o prazer, em montanhas solitárias o arrebatamento e na desordem dos sentidos uma ordem de realidade que não se pode expressar ou esconder.

Não gosto menos do homem mas gosto muito da natureza que transmuta sua essência na imensidão. Não transfigura o viver em faces de não ser. O homem em sua razão mutila seu sentir e seu verdadeiro rosto, a natureza.

Tenho raiva das palavras, são limitadas em suas formas de nomear as coisas mundanas, tudo o que não se nomeia ou classifica.

No espelho de um mar profundo sou apenas uma cega escutando sua música. Ouço como mãos que leem braille na ponta dos dedos. Capturo as ondas pelas vibrações oculares que provocam. Aprendi a enxergar na escuridão por causa dos becos que ninguém quer olhar por repugnar o que parece sujo ou imoral.