O relógio do Capitão

'Ti-tac, tic-tac, tic-tac...' - e o Capitão James Hook se encolhe de medo.

Na Terra do Nunca há crianças que não crescem, fadas ciumentas, índios e piratas; há paisagens de sonho e terror e um pó que faz voar quem tem bons pensamentos.

Nesse lugar mágico também tem um crocodilo - a única coisa que o Hook respeita.

Num desses dias de sol e aventura, o bicho abocanhou parte do braço direito do Capitão, levando-lhe um relógio de bolso e a mão que o segurava. A mão foi digerida e sua falta tornou-se um gancho de ferro a partir do meio do antebraço do pirata; o relógio vive na barriga do réptil, e se tornou pavor, a partir do que dele se ouve, mesmo de longe...

Na Terra do Nunca o tempo não existe - e o Hook era o único a ter relógio... Como para os outros, o tempo também parou para ele.

A angústia que sente ao ouvir o barulho das engrenagens do relógio, bem vivo no estômago do bicho, é fruto tanto do medo de lhe ser devorado o restante de si - porque o crocodilo gostou do que provou - quanto do sentimento de perda de seu contador de horas, minutos, segundos - seu diferencial entre os demais.

...

Também tive parte essencial de mim devorada por um bicho feio e perigoso. Do âmago do meu monstro - nada concreto e do qual não poderei fazer sapatos da pele, nem colar dos dentes, nem sopa da carne - andei tentando recuperar o que foi junto - uma espécie de contador de mim mesma.

E nem comemoraria sua morte: tudo o que me atiça é a continuidade do passar de mim.

Tentei... e, tal como o assustado Capitão Hook, falhei.

Mas, tentei...

Mas aqui não tem pó para fazer voar quem tem bons sentimentos.

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 16/09/2013
Reeditado em 20/09/2013
Código do texto: T4484278
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