Promessa utópica


Não gostaria que me entendessem mal. Sou casado e respeito a convenção, legal ou cultural, do casamento. O meu texto não será nada contrário ao casamento em si, enquanto livre opção de seres humanos pelo viverem juntos, pois que respeito muito esta decisão, aquela de construir um relacionamento saudável, respeitoso e amoroso, sejam eles ou elas quem forem. Este texto provocará apenas a imagem utópica de que apenas porque houve a decisão mútua de casarem-se, em especial em um casamento formal, esta ligação amorosa será indestrutível. Este texto vem sim discutir um pouco aquela imagem de que “o que deus uniu o homem não separe”, e mais ainda a formalização de uma promessa pública de amar sempre, amar por toda a existência, como se apenas bastasse uma promessa para garantir a eternidade do amor conjunto. Se assim fosse os problemas do mundo estariam todos resolvidos de forma rápida. Poderíamos providenciar um evento mundial, onde ao mesmo tempo, em rede, todos fizessem uma simples promessa, e não é de amar não, que é muito mais difícil, uma única promessa, a de “respeitar seu semelhante, qualquer que seja ele, onde quer que ele esteja, independente de quaisquer outras qualidades”. Esta promessa por si só, acabaria com toda a miséria, pois que o respeito levaria a dividirmos tudo o que temos, todos os bens. Acabaria com os crimes, pois que o respeito me impossibilitaria de fazer mal algum a qualquer semelhante. Acabaria com a destruição de nosso planeta, pois que o respeito aos outros, e em especial as crianças, nos obrigaria a indiretamente respeitar a natureza e assim por diante.
Eu sei, você sabe, todos sabemos que é utópico, pois que somente a promessa não garante a realização de nada, uma complexidade de situações, de causas e de momentos, fazem com que “tudo mude o tempo todo no mundo”, acho que isto é uma frase feita, por isso a marquei. Mas por que será que no casamento, sujeito a todas as intempéries da convivência a dois, e também a complexidade da realização do viver coletivo, isto seria diferente, e fazemos a promessa pública como se acreditássemos realmente que ela é sustentável acima de tudo e de todos.
 
Quando duas pessoas se amam, e aqui é um amor próprio, um amor que envolve carinho, mas que envolve também relacionamento direto, é diferente do amor universal, do amor pelos filhos e assim por diante. O chato é que designamos com uma única palavra diferentes tipos de qualidades secundárias como se um único amor fosse. Quando estas duas pessoas, que se amam, resolvem formalizar uma união, casando-se, estão tomando uma decisão muito complexa, difícil e importante, uma decisão forte com certeza, mas nunca irrevogável, um modo em que se quebrado o acordo estejamos a beira do abismo social ou humano, a beira de uma catástrofe mundial. Não é nada disto, seria ótimo que o amor perdurasse e que o respeito mútuo fosse crescendo a cada dia para que garantisse e que desse sustento a convivência a dois, mas nem sempre isto é possível.
 
Entendo como muito mais importante que a decisão do casamento, seja a decisão de termos filhos, esta sim, para mim, é a mais importante e complexa decisão. Por favor não me venham com a argumentação de que para decidir termos filhos, temos de decidir um casamento formal. A decisão de ser pai ou mãe deveria, esta sim, ser irrevogável, mas mesmo esta não o é, e sendo muito mais complexa que a do casamento, não se impõe nenhum tipo de promessa pública para ser pai ou mãe. A decisão de ter filhos implica em um novo ser, que precisa proteção, educação, cuidados, e mais ainda precisa de muito AMOR. Esta decisão sim deveria ser forjada a aço e fogo, embrulhada em muito amor, mas mesmo esta, percebemos quantos pais são um desastre para o respeito humano, é é melhor que a sociedade retire destes o poder de pai e mãe sobre um novo ser vivo. Se até para a decisão de ser pai, infelizmente, ela não é sustentável por todos, por todo o tempo, porque uma decisão muito mais suave, muito menos marcante para uma sociedade, existe a crença em fazer-se promessa para que o amor sempre exista.
 
A promessa pública de amar sempre, ou de nunca se separar, não passa de um ritual a mais, sem garantia nenhuma de sucesso, e com talvez um pequeno impacto inicial no casamento. Não faço e não preciso fazer promessa pública nenhuma quando decido viver a dois, ou a três, a escolha é de cada um. Quando decidimos formalizar o casamento, é apenas para dar uma forma legal, o que agora já nem é tão necessário pelas nossas leis.
 
Pessoalmente conheço casais que nunca se casaram, mas são felizes a muitos e muitos anos, conheço pessoas que se casaram, algumas até mais de cinco vezes, e não foram felizes em nenhum deles, conheço pessoas que se separaram por infelicidade mútua, e que se casaram de novo e agora vivem felizes, conheço pessoas que não se casaram por amor, mas que são felizes juntas. Assim, quem somos nós, quem são os mestres religiosos, ou os juízes para interpor-se ao que seja construir uma relação de convivência a dois e manter amorosa e respeitosa esta união e enquanto houver o fogo da paixão melhor ainda.
 
O certo é que o que eu penso não significa verdade alguma, significa apenas e tão somente a forma como interpreto o livro da vida, e você pode até pensar diferente, eu respeito, mas no fundo, acho difícil sustentar que alguma promessa seja sustentada apenas por si só, seja em publico ou de forma privada, se não, o próprio casamento formal seria dispensável, pois quem foi aquele que amando não jurou felicidade eterna ao seu parceiro, parceira ou parceiros, muito antes do casamento, quem foi aquele que na loucura da paixão não prometeu ser fiel e viver apenas para o outro, e quantos relacionamentos, depois destas promessas não se desfizeram, muito antes do próprio casamento, alguns levam apenas mais tempo e a separação chega depois do casamento.

 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 23/09/2013
Reeditado em 23/09/2013
Código do texto: T4494561
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