SUICÍDIO




Sempre me incomodaram bastante as minhas instabilidades; ora alguém de simplicidades, ora cheia de complexidades, irrequietas interrogações clamando em meu ser, em meu pensar, em meu falar, em meu sentir, em meu agir...

Buscava em tudo que eu conhecia, via e fazia razões e explicações, tentava submeter a teses e a antíteses, enfim...

Um dos ponto altos dessas minhas indagações foi quando deparei-me com a tríade: verdade, existência e identidade, tão contundentemente consagradas, nos heterônimos de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares.

Eu dizia para mim mesma: "Não me entendo! Na escola sou uma, na igreja sou outra, em casa outra pessoa ... E a pergunta desde muito cedo me acompanhou: _ Afinal quem sou eu?"

A medida que o tempo foi passando pude lidar melhor com as minhas auto análises e hoje costumo dizer de mim mesma: _ Sou uma mulher bem resolvida. Será mesmo?

Fico hipnotizada pelo trecho abaixo e o escuto constantemente na voz de Adriana Calcanhoto:

 
"Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio,
pilar da ponte do tédio
que vai de mim para outro."
(Sá Carneiro)


Esse mesmo ser com quem deparei-me e que conduziu-me a esse rumo de pensamento, ouvindo a mencionada canção e lendo a carta, logo ai abaixo, informando que ele se suicidaria.

Passou um filme na minha cabeça, aliás vários...
Lembrei de uma vez em que um jovem que eu tanto amava, que tentou envenenar-se, aliás, um jovem a quem eu muito amo, pois felizmente, seu intuito não logrou êxito. Segundo os médicos salvou-se por uma questão de segundos...

Estava eu correndo pela rua, de madrugada e, postei-me de braços abertos no meio da avenida a fim de parar um ônibus para pedir ao motorista que parasse o primeiro táxi que ele avistasse adiante e desse o endereço 'x' para socorrer o rapaz agonizante...

Assim como lembro que chorei junto à toda uma família, por um jovem lindíssimo, que foi encontrado com o corpo pendente... faltavam poucos dias para sua festa de formatura, na graduação em Direito...

Vivi ainda outra tragédia assim, uma amiga minha, jovem mamãe, envenenara a si e a seu filho.
 Somente ele foi salvo...

Paro.
Penso.
Choro.

E leio mui comovida ...

 
"Meu querido Amigo.
A menos de um milagre, na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias –ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. [...]"

Mário de Sá-Carneiro, carta deixada para Fernando Pessoa,  em 31 de Março de 1916.

Maria Madalena de Jesus Gomes
Enviado por Maria Madalena de Jesus Gomes em 03/10/2013
Reeditado em 29/04/2015
Código do texto: T4510138
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.