Crer ou descrer


O que eu acho ou o que eu acredito não pode, e não deve, direcionar os fatos. Para um ser humano minimamente racional, são os fatos, as evidências, e as comprovações que devem direcionar, alterar ou construir (muitas vezes com destruição e reconstrução) o que eu acho, o que eu acredito e o que eu sei.
 
Não deve interessar, em uma busca séria, o que eu gostaria que fosse, ou mesmo o que eu acredite que devesse ser, interessa somente o que é. Temos total permissão e devemos ter a coragem de perguntar, questionar, analisar e racionalizar sobre tudo.
 
Um bom cético não é aquele que dúvida de tudo, mas sim é aquele que tem a coragem de, pela dúvida, questionar e buscar fatos, provas, modelos lógicos e coerentes, para em um processo racional, não ser guiado pelas suas crenças, nem pelo que gostaria que fosse ou pelo que deveria ser, mas sim guiar suas crenças pelo que é, pelos fatos, pelas provas, pelas evidencias, pela lógica, por análise crítica e pelo racionalismo.
 
Um cético dogmático deve ser mais sofredor do que um religioso dogmático, pois duvidaria inclusive de ser ele mesmo, duvidaria de seu próprio ceticismo, e duvidaria inclusive de ser real sua existência.
 
Fenômenos são, a princípio, exatamente o que são, fenômenos, somente ganham status de fato, depois de análise crítica e racional, com a devida confirmação, e isto é parte natural do método científico: observar, analisar, pensar, testar, formular hipóteses e teorias, testar de novo, buscar formas de refutação, testar de novo, alterar ou ajustar hipóteses e teorias, testar, testar, e testar de novo, confirmando ou rejeitando (comprovando ou refutando) cada hipótese e cada teoria, sempre sabendo que o melhor que podemos fazer sempre será uma simplificação do fenômeno como um todo, por isto pode ser provisória, ser cético é estar preparado para isto.
 
O ceticismo assim não é uma crença ou um fato, é muito mais um método, aquele de buscar de forma crítica, racional e lógica a verdade do fato, não apenas a verdade superficial do fenômeno, mas a profunda verdade nas engrenagens da realidade que possibilita o fenômeno em si, mesmo que realidade seja em si probabilística e não absoluta.
 
Quem já não ouviu, diretamente ou por terceiros, que um cético duvida de tudo? Um cético não duvida de tudo, apenas tudo questiona. Um cético que ao pé da letra de tudo duvide, não é um cético realista, é um cético com algumas características de dogmatismo ou mesmo de loucura. Não sabemos de tudo, é a pura verdade, e talvez nunca saibamos, mas isto não significa que nada saibamos. Podemos saber muito pouco frente a tudo que seria possível saber, mas é lógico que sabemos algumas coisas, e dependendo da forma como olhamos, sabemos muitas coisas, e é por isto que realizamos nossas vidas, o chato é que muitas vezes damos status de verdade e de saber ao que cremos, e realizamos nosso viver segundo estes falsos pressupostos, e podemos mais atrapalhar do que ajudar uma realização social plena e livre de nosso viver.
 
O que pode ser verdade nem sempre é verdade, preciso do ceticismo e do método científico para separar o que pode ser do que realmente é, até mesmo porque no mundo do pode ser, tudo pode ser. Eu poderia voar, mas sem suporte tecnológico todos que saltaram, de qualquer lugar, em qualquer tempo, caíram. Posso ser imortal, mas a história nos comprova que todos que já nasceram morreram, mesmo aqueles, para os que creem, tidos como espiritualmente especiais e poderosos, como cristo ou buda, tiveram a sua morte física, que para mim é a única.
 
Não existem causas secretas, existem causas desconhecidas, o caos é a própria realidade, mas o caos não significa eventos sem causas, significa que nos é impossível conhecer todas as causas.
 
O ceticismo é assim um método que nos coloca entre aqueles que em nada acreditam, e entre o outro extremo, aqueles que em tudo acreditam.
 
A ciência e o ceticismo não existem para destruir a religião como muitos acreditam. A ciência e o ceticismo existem para nos ajudar em nossa jornada e caminhos, atrás das comprovações ou das refutações, dos fatos e das “verdades”, e a religião não pode fugir a este escrutínio ou a esta regra. Para tudo devemos buscar comprovações ou refutações. Para a ciência e para o ceticismo sincero e racional é necessário coragem, porque vezes por outras devemos ser capazes de relegar e refutar muito do que cremos e do que gostaríamos que verdade fosse.  Assim, desejar não é saber e querer não é significado de verdade.
Neste sentido existe uma imagem que me é marcante e importante, e que muito me serviu de ensinamento, que é aquela em que um dos meus paradigmas, o Einstein, vem a público e assume um erro criado por puro preconceito e pede desculpas. Ele toma esta atitude, tão logo outro grande observador da realidade, o Sr. Hubble (
Edwin Powell Hubble), prova para o Einstein que o mundo está em expansão.  Einstein acreditava em um mundo estático, que sempre existira, por todo o tempo passado, era uma visão baseada em sua forma de crer em um Deus que era em si a própria natureza. Einstein não aceitava religiões, mas cria em um deus, com características algo tipo Panteísta. Assim, tão logo seu modelo relativista mostrava um mundo instável, ele acrescentou uma constante universal, apenas e tão somente para dar estabilidade a este universo, refletindo assim em seu modelo, um pouco de sua crença. Ele tinha um modelo matemático que mostrava um mundo instável, mas seu preconceito o impossibilitou de aceita-lo como se lhe aparecia nas formulas, e por isto introduziu, de forma grosseira e adhoc a constante universal que permitia assim ao mundo ser estável e, assim, estar alinhado a sua crença. Hubble percebera, em todas as suas observações e análises, que o universo não tinha nada de estável, todas as galáxias, e estrelas estavam em movimento, e em especial, a maioria absoluta das galáxias, a menos de uma raras exceções (uma delas é a galáxia de Andrômeda que está em rota de colisão com a nossa Via Láctea, mas não precisamos sofrer por antecipação, esta colisão somente ocorrerá daqui a milhões de anos, você pode continuar a viver em paz, pelo menos quanto a isto), encontram-se em franco movimento de separação radial de nós, o que implica em um mundo em expansão, e leva a imagem de um início claro (o que chamamos de Big Bang), o que o modelo inicial do Einstein mostrava, um mundo em desequilíbrio, mas que Einstein não quis aceitar, por puro preconceito, e o fez incluir a tal constante universal. Mas como um homem da ciência, tão logo Huble provou que o universo está em expansão, Einstein vem a público e assume seu erro, criado por puro preconceito, e retira de seu modelo a danada da constante universal. O que é mais dramático, é que hoje estamos fortemente tendenciosos a recolocar a danada da constante universal, mas não para estabilizar o universo, mas pelo contrário, para explicar sua clara tendência a aceleração da expansão. Hoje, quanto mais longe olhamos, maior é a velocidade média de escape das galáxias, algo deve estar acelerando a expansão (Talvez a chamada energia escura), e para tal, até compreendermos melhor esta energia, o modelo relativístico ganha uma constante universal para justificar esta aceleração.
 
Um descrente não é pior e nem melhor que um crente. Um descrente dogmático possui os mesmos erros do que um crente dogmático. Um ser racional não é um crente e nem um descrente dogmático, todos temos nossas crenças, pois que a verdade absoluta de tudo nos é impossível conhecer. Um racional é aquele que descrê de forma racional, e que crê de forma racional, crítica e lógica. Para este ser, é a razão e os fatos que devem guiar nossas crenças e descrenças, e não o oposto. O que crê diferente do que sabe, ou diferente do que os fatos, comprovações e refutações lhe afirmem, é no mínimo um desequilibrado ou um fanático, e afirmar que é uma opção de fé não muda nada. Para o que eu sei, não cabe crença, para o que ainda não sei, cabe crença, mas guiada, sustentada e alinhada ao máximo de evidências sérias possíveis, envolta em lógica e em séria análise crítica. Uma crença não pode por si só, ir contra a algo, direta ou mesmo de forma indireta, que já conhecemos. Nenhuma crença justifica crer na imortalidade do corpo, todos até hoje morreram. Algumas crenças podem existir na justificativa da existência de um deus, não existe refutação absoluta para deus, mas nenhuma crença pode tentar justificar um deus Abrahamico. Até hoje nenhuma prova pode refutar a possibilidade da existência de um deus meio que deísta ou panteísta, ou mesmo simplesmente alguma outra definição de um deus que agora me falte. 


 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 21/10/2013
Reeditado em 23/10/2013
Código do texto: T4535096
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