Mas ele é seu pai.

É tão bonito aqueles comerciais de margarina onde sempre existem sorrisos, brilhantes sorrisos e nem é comercial de creme dental, me perguntei se existem famílias assim e sinceramente não sei a resposta.

Quando criança, um velho senhor entrou em minha casa e perguntou por meu pai, eu disse que ele dormia e apontei a direção do quarto e fui brincar na rua, 15 minutos depois vejo meu pai ensanguentado, a polícia na minha casa, minha irmã mais velha chorando, meu pai, vivo! Sempre pensei em como me sentiria culpado se ele tivesse morrido em tal tentativa.

Quando criança, meu pai, alcoólatra nos expulsou de casa, trancou as portas e ameaçou colocar fogo na casa, meu amigo me disse “ Vamos chamar a Polícia!” minha resposta “Não, ele é meu pai.”

Quando adolescente era chamado de preguiçoso por querer estudar e não trabalhar limpando sanitários e sendo garçom, e quando fazia precisava ser refeito, por que eu não sabia. O meu pai não me abraçou, nem apoiou minhas decisões. Quando eu juguei amar uma pessoa, ele me disse que ela não prestava e me aconselhou terminar. Esse foi o seu primeiro conselho, eu tinha 16 anos. Nessa idade, eu já não me importava se ele fosse preso, não era mais grande coisa ele ser meu pai, eu já não era mais criança pra sonhar que ele iria mudar.

Então me disseram, mas ele é seu pai.

Não importa se faltou apoio, se falto carinho, atenção, se sobrou esporro, não interessa o que de ruim você acha que ele fez, ele é seu Pai e você o precisa perdoar.

Precisa perdoar, pois ele é seu pai, é analfabeto, é do bicho do mato, ignorante e não sabe expressar como gosta de você. Ele não entende, mas você o entende.

Quando entrei na faculdade, trabalhei de dia, estudei a noite, cheguei tarde. Encontrei minha mãe chorando, o meu pai estava bebendo em um bar. Ela não chorava por ele estar em um bar, chorava de preocupação, já que o mesmo estava doente. Era então idoso.

Eu fui, entrei no bar, e o mesmo estava sentando, bebendo e pagando para todos, gastando o suor de toda minha família com a sua diversão. O chamei! Ele? Não me disse nada em primeiro momento, mas fui praticamente expulso por quem o acompanhava. Perder a mordomia do vovô que estava bancando, não dava, né? Ao colocar os pés pra fora o escuto gritar comigo.

Quando estava no último ano da faculdade e trabalhava de manhã e a tarde, quando cheguei as 23:00 o encontro acusando minha mãe de ladra. R$ 2.000,00 que ele havia guardado havia sumido, ele estava bêbado, quebrava copos, minha mãe chorava, então eu o enfrentei verbalmente, escutei coisas que romperam algum meu elo com ele, e antes de partir para a agressão física. Minha mãe me diz “ Não, faça isso ele é o seu pai!” Na outra manhã, ele lembra que havia guardado o dinheiro. Eu o ignorei igualmente como sempre fui ignorado por ele.

Minhas irmãs me disseram para voltar a falar com ele, ele era o meu pai. Minha amiga, hoje namorada, me disse pra voltar a falar com ele, era meu pai. Meu pai! Voltei, falei...

Então ele me abraçou, primeira vez que tenho tal lembrança em 22 anos.

Em um espaço de tempo, a rotina se manteve.

Então no dia 31/12/2014, ao lavar o chão para ele, passo mal, o almoço não caiu bem, preciso escutar que sou mole, que não dou pra trabalhar, que sou preguiçoso, fraco. Então no dia 1º, depois de ser impedido de visitar uma pessoa amada, sou obrigado ao levar ao estábulo, a quebrar meu cano de escape, a queimar a borracha de pneu, sou obrigado a escutar gritos, ordens, e preciso me controlar, por que ao chegar em casa, terei que escutar que ele é meu pai.

Então me lamentei, me lamentei por não terem o assassinado quando criança, me lamentei por que ele impede meus sorrisos, frustra meus sonhos e barra meus objetivos, desejei então que a diabetes que secou uma de suas pernas o matasse de vez.

O sentimento que sentiria de culpa por sua morte não seria 1/3 do sentimento que sinto hoje pela figura paterna que obtive em minha infância, eu não queria um pai de comercial de margarina, mas um pai que eu sentisse algum orgulho de chamar de pai.

Não, definitivamente ele não é meu pai. Pai não é isso!

Josélio Oliveira
Enviado por Josélio Oliveira em 01/01/2014
Reeditado em 09/05/2023
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