Diálogos com Prometheus

As pessoas estão acorrentadas, Prometheus, no calabouço de suas cavernas e na cegueira de suas hipocrisias. Você sabia que isso me incomodava, dizia para lembrar de Tolstoi em Guerra e Paz, enquanto debochava da indiferença dos outros no inferno de Sartre. Falava que estava acorrentado por castigo, o mundo era sim condenado por pecados mas nada tinha haver com o cristianismo.

Tantas correntes de pensamento, meu lugar de pensamento sempre foi as matas, nascentes, animais, tudo que pulsava vida e essência. Fazia minha leitura de mundo com raízes. O fluir da vida é simples, forte mas extremamente frágil. Eu tinha afeição pela delicadeza das coisas do mundo. Era o meu banho para limpar toda sujeira e sofrimento, o sangue que corria nas calçadas, todos aqueles tiros na madrugada. Todos aqueles rostos passavam como em uma ciranda de fotograma.

Ainda lembro do vermelho cor de semente da árvore de pau brasil no chão. Aquilo que não podia mudar, estava impresso para sempre como em uma fotografia antiga. Uma recordação eterna da dor que os homens causam uns aos outros. A chaga aberta da humanidade, a ferida sem cicatrização.

Você afirmava com convicção que não aprendi olhar o mundo lendo livros mas lendo árvores, meu olhar era direto no tronco, sentindo com as mãos todos grãos da terra. Sabia como era a natureza dos seres. Tudo que havia de bom e ruim, sem julgar...

A doença corroía teu fígado, Prometheus, porque não respeitava os limites do próprio corpo e trazia profundas marcas no eu. Conhecia o próprio inferno que criavam os homens para si na negligencia de cada esquina sem compaixão e falta de misericórdia mas ainda sim sonhavam com milagres. A vida passa por nós como um cavalo selvagem na beira do mar, sem rumo e livre. Toda fúria guardada concentrada na intensa vontade de correr em desertos vazios.