Falar

Falar pra que?

Junte-se a criação da cultura que nos deu sentidos para as coisas e para nós mesmos no meio dessas coisas, visíveis e invisíveis. Junte-se o polegar opositor que permite os movimentos de pinça com os dedos e o desenvolvimento da musculatura fina de nossas mãos e braços. Junte-se o desenvolvimento, em milhões de anos, de nossa capacidade cerebral e caixa craniana. Junte-se a modificação anatômica de nossa mandíbula e do formato de nossos pré-molares hoje bicúspides. Junte-se o sentimento de essencialidade da vida e a percepção de sua limitação e finitude. Junte-se os sentimentos morais e os valores éticos.... E aí teremos algumas das coisas que nos faz espécie e humanos. Porém a humanidade tem seu gênesis na linguagem. Falar! Precisamos falar e ouvir. Mesmo em silêncio gritamos! As coletividades, as identidades, as individualidades surgem do falar. Para aqueles que creem a experiência de Deus também se subordina ao falar, pois Ele é palavra (o Verbo se fez carne e habitou entre nós). Porém também somos ainda, em alguns casos reféns de nossa evolução e submetemos o nosso córtex (99% do nosso cérebro) ao sistema límbico (cerca de 1%) e somos controlados por nossas reações animais (lutar ou fugir) e nos calamos, silenciamos (talvez aquilo que nos incomoda ou nos ameaça passe... ou talvez no silêncio possamos embosca-lo). Mas, nessa hora, deixamos de ser membros da espécie humana e perdemos tudo o que daí deriva: identidade, coletividade, sensibilidades, valores. Passamos a ser apenas uma massa biológica que se move sobre a terra a busca de uma toca e com muitas justificativas para nosso modo de agir, pois os lobos também devem ter uma bela justificativa para atacar as ovelhas ou devorar seus filhotes. Lamentavelmente, ainda existem aqueles que creem que podem sustentar relações com outra pessoas no silêncio, mas talvez não saibam é o falar nos torna seres humanos, em primeiro lugar. A fala e a escuta aproximam e libertam, mesmo numa disputa, num conflito ou numa guerra. O silêncio é aconchegante, mas quase sempre desumano.