Um destino final
 
Afinal, temos um destino, algum destino, ou temos somente um destino final? Não creio em destinos, acho-os sem sentido, sem coerência lógica, de uma complexidade sem sentido algum para tudo o que aqui está, e sem dignidade humana, contudo todos nós temos um destino final, é a morte. Esta, a morte, é o destino universal para todos os seres vivos conhecidos. A morte, dela nenhum ser vivo, de nenhuma espécie, mais cedo ou mais tarde, escapou. Indivíduos, e mesmo espécies inteiras se perderam no nada que sempre foram antes de algo ser. No caso dos seres humanos, a regra também nunca foi quebrada. Não houve ninguém, que uma vez nascido vivo, não tenha morrido, ou que não venha a morrer. Não houve criança, homem, mulher, profeta, ou homens deuses, que de alguma forma, sob alguma história, em algum momento, não tenha sido colocado em contato direto com a bela, estranha, mas danada da morte. Em alguns casos foram necessários enredo e estórias para dar um sentido mais transcendental a esta morte, que mais que necessária, era uma obrigação biológica natural, e democrática, nunca privou ninguém, bons e maus, justos e repugnantes, de qualquer cor, gênero, princípios ideológicos, nacionalidades ou crenças, todos, absolutamente todos, tiveram que realizar a morte, não escapando nem seres míticos, místicos, santos, homens deuses, todos temos o destino único apontando para nossa morte, um dia, de alguma forma, e em algum lugar.
 
Não existe destino, como não existe projeto ou design, existe apenas um destino final para ancorar definitivamente o balão a ar, transitório, falível e fatal, de meu viver, de nosso viver, de cada um, o seu próprio viver. Destino bom, todos iriamos querer, era tudo o que gostaríamos, desde que este destino fosse a própria felicidade, entretanto seria também tudo que rejeitaríamos, se o fosse o da dor, o do sofrimento ou o da miséria.
 
Como saber? Posso estar certo? Posso estar errado? Mas para este destino final, o da morte, não existe argumentação contrária. Como acreditar que uma rosa jamais me ferirá? Como crer que a felicidade possa existir em plenitude? Como esperar por algo que talvez não exista? Como ousar transformar, se creio plenamente em destino? Como pode o destino ser o que sou, o que somos, o que posso ser e o que serei? Para que viver, quando o roteiro já está traçado? Sou ator sem criatividade? Posso ser diretor, produtor ou roteirista de meu viver?  
 
Crer em algo não torna este algo possível ou o torna mais real. Crer em destino não o faz um fato.
 
Será o destino, o seu conceito deixe-se bem claro, mais uma das múltiplas artimanhas do sistema para me manter passivo e alienado das responsabilidades? Sendo eu pobre, é o meu destino. Caso seja eu rico, que culpa tenho? É o meu destino. Se aquele país sofre com miséria, que culpa tenho? É o destino deles. Se meu amigo sofre as dores de doenças, de males físicos, psíquicos ou mentais, que culpa tenho? É o seu destino. Se o filho de um amigo falece sofrendo, que culpa tenho? É o destino daquela família. Se a natureza chega sem dó e sem piedade e destrói vidas, que culpa tenho? É o destino de quem lá estava? Se uma empresa quebra e leva ao sofrimento milhares de famílias, que culpa tenho? É o destino destas famílias. Se o sistema é injusto com muitos, em beneficio de alguns, e talvez eu seja um destes beneficiados, que culpa eu tenho? É o destino de cada um que o colocou exatamente onde deveria estar. O destino em toda a sua incoerência natural, é uma excelente desculpa para justificar que possa lavar as mãos, afinal o destino é poderoso, e eu não tenho culpa.
 
Cruzo mares de tempestades, voo por céus de alegria, me enterro no caos do que é real e não sou por isto menos real, sem destinos, ou melhor, com apenas um.
 
A predição está presente? Mas o caos está a espreita, necessário apenas tempo, mais ou menos tempo, e toda predição, a menos a da morte, se fará um caos, no próprio caos de toda existência, com ou sem resistência, seremos presas e predadores deste mesmo caos que nos envolve.
 
A morte seria assim o caos do caos? Ou seria a perfeição no caos? A morte seria assim o fim do predito pelo caótico do próprio caos que o predisse? A morte seria o caos absoluto do nada, ou seria mais um nada em plena aparente aleatoriedade do caos que se faz paz eterna e infinito nada mais ser?
 
Congelado, em brasa me fluidifico como aquele que nada é por ser algo, como aquele que rodopia em pleno estado de inércia absoluta, como aquele que encontrando o referencial dos referenciais se equilibra em pleno descompasso de massas e de energias, mas que um dia será caos congelado na eternidade do mais nada ser.
 
Uma única hora pode parecer uma eternidade, no presente que passa em plena eternização do que ele mesmo é, e pode ser, não que deva ser ou que absolutamente será, pois que sem destino.
 
Somo humanos, somos animais, somos corpo, e por isto podemos ser mente. A semente do cérebro que desabrocha em seres mentais.
 
Sendo matéria podemos ser o ser que nos faz ser o que somos, e por isto nos iludimos como algo superior ou espiritual, mas somos física, química, biologia, mente e social. Nos achamos prepotentemente o máximo, mas o máximo deveria ser um deus, não podemos todos sermos deuses, assim o que de melhor podemos fazer para nosso ego é nos vermos como filhos de um deus, a sua imagem e semelhança, assim podemos ser prepotentes e vaidosos, pois que seriamos parte do máximo e donos de tudo. A escalada exponencial de complexidade se faz predição do aparente caos que nos leva da física básica à química normal, daí a biologia não menos natural, e a um cérebro material e de complexidade quase infinita que permite a emergência do ser (ou dos seres) que somos, pela mente do que temos em processo natural, sustentado por neurônios não menos físicos. Se o salto ao absurdo da mente já foi enorme, imagina milhões de mentes cerebrais agindo no mesmo espaço tempo, faz da complexidade social algo absurdamente mais complexo ainda.
 
Se meu coração bate hoje, amanhã pode mais não bater, amanhã posso mesmo não precisar de coração, posso amanhã mais nada ser, ou ser um ser em um ser não biológico, humano sem biologia, humano até mesmo sem humanidade. Poderá chegar o dia em que nossa mente poderá ser baixada para circuitos “bioelétricos”, mas aí pequena parte do caos terá sido controlada para um novo caos surgir, aquele do animal físico, não mais biológico, talvez até mesmo virtual.
 
Será que valerá a pena? Sinceramente não sei. Só sei que se não nos destruirmos antes, este poderá ser o caminho, homens máquinas, sem nada parecido com espirito, mas com “vidas” mentais de seres viventes enquanto processos “neurocomputacionais”, quânticos ou não... Mas e o destino?

 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 05/04/2014
Código do texto: T4757604
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