TENHO INVEJA E CIÚME, SIM

NO INÍCIO DA MADRUGADA DE 23 DE ABRIL DE 2014

Tenho inveja e ciúme, sim, de uma única pessoa neste mundo: daquela de mim que não chegou a existir e que me olha de lugar amplo e livre em algum espaço do meu imaginário, lugar livre e amplo que poderia ter existido se eu tivesse tido a coragem e a força necessárias para ter sido à imagem e semelhança dessa mulher de mim que me olha com olhar sereno, realizado. Só dessa mulher que eu poderia ter sido, tenho inveja e ciúme. Não inveja e ciúme malévolos: inveja e ciúme tristes que só vendo.

Uma outra possível de mim me olha do futuro – de futuro bem próximo, que não há como projetar-me futuros mais distantes – e me diz: “Vem, ainda dá para seres uma nova, uma outra, uma mais à tua própria e verdadeira imagem e semelhança.” Talvez ela, essa mulher de mim que me olha de futuro próximo, tenha razão, mas, eu preciso começar por dar sentido às palavras “nova”, “outra”, “própria”, “verdadeira”, palavras que ficaram e estão completamente ocas, ocas completamente do sentido de si mesmas.

Ah, que inveja e ciúme tristes tenho das várias que eu poderia ter sido, se tivesse sido menos covarde... Ah, tristes ciúmes e inveja perfeitamente inúteis... perfeitamente inúteis... perfeitamente inúteis...