Diálogos da madrugada

Sabe, não tenho todas as respostas que gostaria. Na verdade tenho muito mais perguntas. E essa pompa de conhecimento que sustento na real esconde muito das cicatrizes que esse mundo hostil me deixou pelo corpo. E quando pareço intransigente em algumas questões é porque sou um romântico idealista cabeça dura, mas não tão estúpido que não possa mudar de opinião caso alguém me apresente um bom argumento. Tive de aprender a me defender desde muito cedo, porque desde muito cedo escolhi seguir meu próprio caminho e não apenas as pegadas que jaziam diante dos meus olhos e os conselhos dos "mais velhos". É claro que escolhi algumas almas para que pudesse desfrutar de seus conhecimentos, mas esse mundo que se apresenta diante das cortinas nunca me enganou, ou melhor, me enganou até o momento em que eu passei a fazer parte dele também. E quando a gente faz parte de alguma coisa a gente precisa aprender a transitar por ela. E cada cortina que foi caindo e me mostrando algo em que as pessoas acreditam tanto e que também acreditei um dia, você vai notando que a grande maioria vive a vida pautada no que é editado, colocado na boca e mastigado e digerido sem qualquer questionamento.

Quando você não aguenta mais engolir e começa a vomitar e cuspir o que tentam enfiar goela abaixo o próprio meio se encarrega de te colocar rótulos. Então você vai dormir como polêmico, brigão, barraqueiro, aquele que quer chamar atenção, babaca, ridículo e outros adjetivos mais. Porque vão tentar de todos os modos te convencer e convencer a quem te ouve de que você é só mais um louco e que suas ideias e pensamentos são irrelevantes e desprezíveis.

Talvez sejam mesmo, ninguém é dono da verdade.

Mas eu tenho um coração de manteiga e mesmo no auge da minha ira, do meu ódio, do meu lado mais denso, escuro e perverso, eu não consigo ir adiante com o desejo de encontrar meus inimigos ou aqueles que me odeiam e fazer deles picadinho. Tenho até uma leve impressão de que se nos conhecêssemos melhor, talvez nem levaríamos adiante certos conflitos.

Também não aprendi a amar. Não dessa maneira que se vendem nas histórias lindas de amor com final feliz, flores, declarações e tudo mais que um bom roteirista possa escrever. Até posso fazer isso se eu quiser, mas apenas se acreditar que realmente é preciso. E quando fiz, fiz de verdade e se fiz, fiz porque quis e não apenas por tática de sedução.

O amor é algo extremamente confuso pra mim. As pessoas dizem que se amam, mas estão o tempo inteiro testando umas as outras, mesmo que inconscientemente. É um amor que se confunde com controle e posse. E isso a meu ver não tem nada a ver com o amor que deveria estar vinculado a liberdade.

Mas o que é essa liberdade também que pregam por ai?

Fazer o que quiser, a hora que quiser, com quem quiser?

Não sei.

Talvez a liberdade seja exatamente o oposto. Desfrutar da capacidade de escolher o que quer fazer, quando, com quem e se achar melhor, NÃO FAZER.

As madrugadas de solidão, assim como os dias de escuridão me servem muito. Não me sinto desconfortável com eles. Servem de inspiração.

As pessoas amaldiçoam as outras dizendo que aqueles que não se submetem a seus caprichos, vão morrer sozinhos. Todos morreremos sozinhos.

Nascemos sozinhos e morremos sozinhos.

Quem nos ama de verdade, pelo que somos e não pelo que esperam de nós, acredito eu, que no final, seja ele qual for...se possível for... estarão por perto para o último adeus, o último "eu te amo" - mesmo que tenha existido algum rompimento no caminho.

Criar expectativas matam a gente por dentro e o mundo é alimentado por expectativas e consequentemente por frustrações. O tempo inteiro parece não haver como escapar de uma expectativa...

Pois bem. Como disse, não tenho todas as respostas que gostaria, e me alimento da dor e da angústia de ter que tentar respondê-las de alguma forma, porque busco cada vez mais me conhecer e entender o mundo que me cerca.

E por mais clichê que possa ser dizer que "não faço parte daqui" ouso dizer que faço tanta parte disso tudo que o mundo me esfola por dentro cada vez que não consigo expor meus sentimentos as pessoas que amo e que não compreendem meu amor.

Mas fazer o que?

Minha maldição já foi rogada. Vou morrer sozinho, porque optei em viver a vida do meu jeito e não como foi estabelecido pelas novelas e filmes.

Esse é o preço?

Então estou criando cada vez mais coragem para pagá-lo.

Pode ser que eu mude de idéia e me veja um covarde no fim quando a morte se apresentar diante dos meus olhos me convidando a seguir com ela.

Mas pode ser que eu aceite o convite para esta última dança e siga em paz.

Enquanto isso não acontece, tenho um monte de coisas que pretendo viver, fazer e dizer.

E se não fui melhor a vocês que estiveram o tempo inteiro ao meu lado, talvez tenha sido mera falta de tradução da minha comunicação peculiar.

Mas estamos em tempos de mudanças.

E sendo assim, o que tiver que mudar que mude para melhor e o que mudar para me fazer sofrer, que me faça aprender novos caminhos.

Pois ficar parado ou girando em círculos não será nunca algo que me fará desistir de fazer, crer e viver o que preciso nesse mundinho.

Diálogos da madrugada.

(Por: Tico Santa Cruz, cantor.)

Tico Santa Cruz
Enviado por Taie em 25/04/2014
Reeditado em 25/04/2014
Código do texto: T4781890
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