Da dignidade da pessoa humana

Certas atitudes são lamentáveis e por mais que tenhamos a justiça ao nosso lado, sabemos muito bem como funciona a questão do poder e da politicagem. Manda quem pode, obedece... quem ???

Aquele que acredita em seus princípios e vive de forma a levantar questionamentos no âmbito social impregna-se de um sentimento de revolta dilacerante.

O caso do senhor que foi assassinado e que cuidava de aproximadamente 16 cães (ainda que vivesse do modo precário) não dá ibope para elite. Infelizmente esse “Zé ninguém” cujo assassino é conhecido e encontra-se vagando por aí não incute na maioria das pessoas sentimento algum de compaixão. Pelo contrário, ele nem “bem” morreu e os “cidadãos” preocupados única e exclusivamente com si próprios se quer ofereceram ajuda, mas sim denunciaram à Prefeitura que as condições do local oferecem risco à saúde da população.

O senhor Bendito viveu nesse barraco por 8 anos e ninguém se preocupou em ajudá-lo ou ajudar os animais que eram cuidados por ele. Quem oferecia ajuda eram os protetores, pois esse cidadão estava prestando um serviço de responsabilidade do governo. Infelizmente a responsabilidade se transfere à uma pequena parcela da população que luta fazendo uso de seus próprios recursos, inclusive, em benefício da causa animal. Se cada um fizesse sua pequena parte, ao invés de criticar e cobrar, com certeza não estaríamos debatendo essa questão.

Os protetores dos animais manifestaram-se sobre as condições dos cães que ali viviam e pra onde iriam, compreendo e isso é muito justo, pois os pequenos não têm quem os defenda. Mas e o casal que estava morando no “barraco” e cuidando desses animais até que as ONGs encontrassem destinação adequada ? É justo que esse casal marginalizado seja despejado sem o devido processo legal?

A Constituição Federal em seu art. 5º nos garante que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O inciso XXII garante o direito à propriedade.

Temos, ainda, como princípio fundamental o Princípio da dignidade da pessoa humana. Não é preciso ser conhecedor da lei para constatar que o ocorrido no dia de ontem (30/04/2014) fere brutalmente esse preceito constitucional.

Ontem eu estive no local quando boa parte da ocupação havia sido derrubada (abrigo dos cães, banheiro). Até o momento não temos prova documental alguma de onde veio essa ordem. Não há processo, nem ordem judicial.

Apenas ouvi: “ eles são viciados”. Como ser humano isso me dói e como profissional isso me afeta profundamente , pois vai de encontro a tudo que aprendi no âmbito do direito. Àquele que devida prestar a assistência social, limita-se a emitir o posicionamento de que “são viciados”.

É muito fácil condenar o viciado, quando temos onde morar. É fácil condenar, quando nosso sustento é garantido pelo nosso trabalho. É muito fácil condenar quando não nos colocamos no lugar do nosso próximo.

Enquanto o poder falar mais alto que o amor ao próximo, infelizmente iremos nos deparar muitas vezes com esse tipo de situação, com essa agressão e violação de direitos fundamentais. Como raça humana eu só tenho a lamentar.

OBS: evento ocorrido na cidade de Santa Bárbara d'Oeste/SP na data de 30/04/2014. Ocasião em que o Poder público determinou que derrubassem ocupação de local invadido (que não é de domínio público) sem o devido processo legal.