JÁ FUI PEDRA, JÁ FUI VIDA...

Já fui pedra, já fui lama

Já fui areia transformada em crosta

Já vivi no escuro, já fui chama

Já cantei de alegria, já fui bosta

Já por mim voaram aves chilreando

Já verti lágrimas doces e intensas

Já senti cães em meu redor ladrando

Já me perdi por planícies ávidas e extensas

Já bebi por copos, cacos de outros copos

Já comi em mesas com talheres de prata

Já saltei por campos em desvarios loucos

Já acariciei num espelho o que de mim retrata

Já andei de barco, de avião e autocarro

Já fiz corridas para ver quem era o mais veloz

Já dormi sestas à sombra de um chaparro

Naqueles momentos em que nos sentimos sós

Já fui saltimbanco de palavras mal ouvidas

Num sistema agreste que divide gerações

E a grande parte vive de dádivas mal digeridas

Onde uns comem dinheiro, outros murmuram orações

Já fui sebenta, nota de compras, harmonia

Já parei na estrada a colher calma numa ermida

Já incitei à revolta, mas também à harmonia

Já discursei em palcos, já fui vida.

Ângelo Gomes
Enviado por Ângelo Gomes em 31/05/2014
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