JÁ FUI PEDRA, JÁ FUI VIDA...
Já fui pedra, já fui lama
Já fui areia transformada em crosta
Já vivi no escuro, já fui chama
Já cantei de alegria, já fui bosta
Já por mim voaram aves chilreando
Já verti lágrimas doces e intensas
Já senti cães em meu redor ladrando
Já me perdi por planícies ávidas e extensas
Já bebi por copos, cacos de outros copos
Já comi em mesas com talheres de prata
Já saltei por campos em desvarios loucos
Já acariciei num espelho o que de mim retrata
Já andei de barco, de avião e autocarro
Já fiz corridas para ver quem era o mais veloz
Já dormi sestas à sombra de um chaparro
Naqueles momentos em que nos sentimos sós
Já fui saltimbanco de palavras mal ouvidas
Num sistema agreste que divide gerações
E a grande parte vive de dádivas mal digeridas
Onde uns comem dinheiro, outros murmuram orações
Já fui sebenta, nota de compras, harmonia
Já parei na estrada a colher calma numa ermida
Já incitei à revolta, mas também à harmonia
Já discursei em palcos, já fui vida.