Sou pouco, mas sou com Deus.
Pelos deuses de marfim, prostrei-me diante subversivos anseios da ilusão. Achei-me merecedora, quis primaveras risonhas, ter compreensão familiar, caminhar junto à alma gêmea, construir o reino perecível, beber do cálice do respeito.
Julguei-me, em veredas álgidas de amargura, ser a razão, aquela passível de modificar a trilha dolorosa pelos esforços da matéria, evitar a desgraça, a decadência e ruína com promessas sem fundo moral.
E mais bendito fora o instante em que minh’alma viu-se frustrada e exausta da desventurada cegueira. Aquele em que pude abrir os olhos e enxergar o pecado cometido, a causa malfeitora, hediondo reflexo do espelho da vergonha em que o âmago se vê e reconhece-se em pormenores. Não haveria mais cântico sublime para trazer-me redenção, ou um futuro quitado sem esforços ou lágrimas da dor.
No antes, cri em única vida interpretada por mil mentiras, e por enxergar real pequenez do ser errôneo predestinado à certeira correção fatigosa, pude enfim notar mil vidas e uma só a verdade.
E no passado, eu que compadecia-me do infortunado destino, aceito no hoje de cabeça baixa, meu lugar e quem sou. Herdei tamanha fartura que somente minha própria justiça não misericordiosa jamais concederia.
Os deuses de marfim quebraram-se junto às promessas da carne pútrida. O que restou foi ignomínia, o opróbrio a ser reparado, a verdade pura e a vontade de evoluir para transformar este destino, sem algemar-me a um coração prisioneiro das próprias punições da consciência. E a malquista consequência proveio da maledicente causa, em que no pretérito, dei passos pelos caminhos errantes, sem ao menos ter lembrado: o que era o amor e o que era Deus.
Hoje sou pouco, mas sou com Deus.