Rito à luz da lua

“... Agora, somente agora aqui do alto tão longe, mas tão ainda próximo, consigo assimilar a frieza da lâmina de punhal vazada em meu coração sem compaixão e o tão exato sangue que ainda brota em gotas, abandonando meu corpo nu, inundando e aquecendo as, não mais nossas, suas mãos desnudas no grande lençol branco de cetim...”

Na noite de lua cheia, preparou seu altar para a magia lunar - toalha e vela branca, cálice com leite, incenso com perfumes lunares (rosa branca, lírio, cânfora, etc.) e um cristal de quartzo. Acendeu a vela, o incenso e invocou as deidades da lua. Colocou o dedo indicador no cálice com leite e desenhou um crescente em minha testa, em seguida ergueu o cálice para o alto, com as duas mãos, imaginando que as bênçãos da lua se concentrassem nele...

Elevei os olhos para o céu e senti os raios lunares descendo até mim, fiquei assim por alguns instantes...

- Beba, - disse ela - todo o leite do cálice e faça uma prece de agradecimento à todas as deidades invocadas e por ter sido escolhido dentre os não puros...

Sentei-me confuso e fiquei quieto por alguns minutos, com o cálice nas mãos trêmulas, em silêncio contemplativo bebi todo o líquido. Traçou um círculo imaginário na direção destro, usando um punhal cerimonial, e, após um demorado e abençoado beijo em meu peito, fez soar o sino do altar para dar início à cerimônia. Apagou a vela, deixou o incenso queimando e me fez repousar deitando-se sobre mim... Imaginei uma grande lua cheia sobre a minha cabeça, invadindo todo o meu corpo. Mantive essa visualização de olhos fechados por alguns minutos... Depois, abri os olhos e relaxei por instantes.

Pela primeira vez, e agora sei a última, senti aqueles seios, roliços, enchendo-me completamente as mãos. Percebi a finura da sua pele, os mamilos pontiagudos intumescendo quando eu os apertava com os dedos por baixo do fino tecido da toga. Um prazer enorme toca-lhe os sentidos quando buli com delicadeza aqueles peitos volumosos. Eu nunca tinha visto e sentido nada assim. Levei meus lábios até eles e os sorvi com alternância de uma maneira que misturava suavidade e apetite enquanto ela trincava os dentes e soltava palavras sem nexo para os entendimentos de um homem comum...

Ergueu o corpo sobre mim e em suaves movimentos me aprisionou cravando afiadas unhas na minha pele. Imaginei uma deusa segurando uma foice, me abrindo o peito e ceifando as coisas negativas do meu interior (pensamentos destrutivos, recordações dolorosas, desamores, etc). Enquanto fiz estas visualizações, ela uniu o centro do seu universo ao meu e o suor que nos indultou em abundância tinha o suave aroma do almíscar. Línguas ligeiras percorriam caminhos elípticos e libidinosos enquanto olhares cegos mostravam personagens de um conto real. Um banquete concebido à luz da lua que aclarava o rosto detentor daquele largo quadril em açoite insaciável de incontroláveis movimentos ritmados. Minhas mãos tentavam aprisionar, em vão e êxtase, sua cintura galopante e indócil que se moldava em perfeição de arremate a um macio abdômen de fina penugem... O forte gozo estava à espreita quando me fez voltar a lucidez abocanhando a frágil pele de meu peito, me fazendo proferir um urro de prazer e dor como desejasse me desconcentrar ou punir por quase atingir o deleite sem sua permissão. Canibalismo outorgado com louvor e requinte. Mantendo a morna e voraz boca em meu corpo, passou a provar sabores de toda sorte me olhando debaixo para cima como quem sorri com os olhos para não perder a cadência com os lábios, em direção ao meu centro. Sua pele alva e macia era um inebriante convite de mergulho em alto mar sem saber nadar. Os médios cabelos alourados lhe cobriam a face refletindo uma luz própria e revelando um olhar feminino por vezes perturbador e faminto. Uma deusa soberana a dominar e se fartar de um menino carente, não casto, que brinca de ser homem feito, sem medo, mas descrente do bem real por ser tão feliz e real. Sabia, ali, que a noite não dura a eternidade das horas... Por isso, parti em delírio sugando esfomeado os dedos de seus pés, seguindo tornozelos, subindo pelas torneadas pernas, roliças coxas, roçando e já adivinhando o que estava pensando... Chegando à sua flor, trêmulo fiquei com o seu aroma ao meu sabor, sorvi todo licor e quis sentir das entranhas em minha língua escorregando boca adentro. Em segundos nos tornamos duas almas em um corpo somente. Coração batendo em uníssono, cadenciado como bomba de sucção a repetir movimentos já desconexos, um doce cheiro do amor impregna a atmosfera e num êxtase grunimos um mantra em agradecimento à benção do prazer indescritível recebido.

E, após haver proferido suas palavras de amor, consagrou um rito de comprometimento e ligação espiritual, não legal, que pôde ser realizado pela sacerdotisa, banhando nossos corpos consagrados com água, sal e óleo purificador de cedro e sândalo.

Tomados pelo cansaço, permanecemos deitamos e ali ficamos abraçados não sei mais por quanto tempo... Pra mim, pela eternidade...

Ricardo Matta
Enviado por Ricardo Matta em 16/05/2007
Reeditado em 16/05/2007
Código do texto: T489587
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