DESMEMBRANDO UM PENSAMENTO



 
        Muitos dos meus textos têm tido o objetivo de me provocar o processo catártico e, para isso, não fui à psicanálise e aos seus conceitos, mas, diretamente a uma de suas fontes, o pensamento grego, no caso, o pensamento que embasa o teatro grego. O que pensam os gregos antigos sobre a função mais excelsa do teatro? Que as peças, em  especial as trágicas, pela apresentação de destinos  tramados quase sempre por determinações dos deuses, destinos que se cumprem através do sacrifício, quase sempre através da morte, que tais destinos, por levarem a plateia  a ver espelhadas, na exposição e no fruto trágico das paixões humanas as suas próprias paixões, dela, plateia, isso faz com que ocorra, em tais seres que assistem às peças, um processo de compreensão, de depuração e de purificação das suas próprias paixões. Esse é um dos fundamentos da psicanálise. Um dos. Bem, eu não faço psicanálise (não tenho nada contra ela, fique claro) e tenho muitas paixões...a maioria não resolvidas...(não falo só de paixão amorosa). Uma das maneiras de me defrontar com elas, paixões, cara a cara, de não me fundir com elas e me perder de vez, é escrever sobre elas, daí o teor profundamente autobiográfico de tudo o que escrevo. Eu admito isso. Neste sentido, meus escritos cumprem, de certo modo, a função psicanalítica e a do teatro grego: a função catártica.
          Por outro lado, os meus textos (todos os textos de todos) também são linguagem, que a linguagem embasa tudo, a expressão das paixões, dos fatos, dos paradoxos, dos medos e de tudo o mais. Eu me julgo, até certo ponto, escritora e poeta, então, por mais que minha escrita seja autobiográfica, há uma linguagem, que se propõe literária, que lhes procura dar suporte e sustento, aos conteúdos. Muitas vezes, é puro desabafo, mesmo. Nem sempre é assim, puro desabafo.
          Como estudei filosofia um tempo e por ela, filosofia, sou apaixonada, publiquei ontem um texto mínimo, ilustrado pela imagem da escultura de Rodin, "O Pensador", a mesma que ilustra o presente texto. O texto que escrevi é  uma re-leitura minha da célebre frase do filósofo Descartes: "Penso, logo existo". Eu escrevi: "Penso, logo... cada dia tenho menos certeza de que existo." Então, devo dizer, antes de tudo que, mesmo sendo a mais  pura das verdades que minha vida esteja atravessando, há muito tempo, fundíssima crise em seus sentidos e fundamentos, também na vida amorosa, mas, não só na vida amorosa, é verdade, também, que escrever "Penso, logo cada dia tenho menos certeza de que existo", não é apenas um lamento, a expressão de uma dor pessoal; é também fruto do pensamento que reflete sobre a sua condição existencial. O pensamento que pensa a condição das emoções, das paixões, da  existência  do  eu que vive e pensa; o pensamento que ajuda o eu a não submergir às próprias paixões, que ajuda o eu a se refletir como em um espelho, também para poder continuar a sobreviver, a existir. O pensamento, palavra, a palavra já no começo do mundo, já desde a sua Origem, no Pronunciamento do Deus Criador.