O Homo Habilis e as justificativas para as transgressões

A Humanidade, ao longo do tempo e progressivamente, foi se tornando cada vez mais tolerante com relação às transgressões das próprias regras institucionais, inseridas no sistema jurídico e nos usos e costumes, cuja tolerância é camuflada, maliciosamente, sob uma mascarada evolução de bondade e compreensão. Essa postura tem como base, duas vertentes que deram origem e sustentam essa progressão, sendo uma baseada na ignorância e na ingenuidade, e a outra na astúcia e na malícia explícitas.

A primeira, baseada na ignorância e na ingenuidade, acredita que o escorpião pode mudar a sua natureza e transformar-se num cordeiro, ou que a serpente pode se converter numa doadora espontânea do seu veneno, para a fabricação de remédios para as enfermidades dos homens. A segunda vertente, cuja origem está nos patamares mais altos das administrações racionais, ao suavizar, diminuir ou até mesmo suprimir a aplicação das normas punitivas às transgressões, está, de fato, à caça das benesses do retorno político e ou financeiro, e ao mesmo tempo, preventivamente, protegendo-se a si próprios que, pela consciência de que são eles mesmos os maiores transgressores, também serão beneficiados, se tiverem o azar de serem os eventuais “bodes expiatórios”, apanhados pela mídia ou por algum solitário honesto perdido na multidão.

Por outro lado, o conjunto de transgressões localizadas, evolui para atividades organizadas e transforma-se em segmento da economia, incorporando-se ao “Sistema”, pois neste estágio, ele passa a ser operado, inclusive, por altos mandatários do “Sistema”, envolvendo grandes interesses econômicos e políticos. A seguir, nada mais deterá a progressão das atividades ilícitas, que se transformam num poderoso agente do mercado. Quanto aos valores éticos e morais, eles que se danem, e a Humanidade... ora, a Humanidade...

Podemos, apenas como um exemplo, examinar a questão da bipolaridade, muitas vezes avocada como uma justificativa para transgressões flagradas e vindas à tona, surpreendendo os transgressores. Ora, o homem é tri-polar essencialmente, sem nenhuma exceção, hospedando em si mesmo o espírito astral, que o orienta para a satisfação das necessidades da sua natureza; o Espírito Angelical que move as suas virtudes e as suas vocações para a prática do bem, em todas as suas ações, e o espírito infernal, que aciona as suas más qualidades, inseridas nas suas vocações para o mal, que são expostas nas ações adotadas. A mente do homem é o campo de batalha desses três espíritos, que lutam ininterruptamente para prevalecer um sobre os outros e, como vencedor, assumir a “gerência da hospedaria”. Neste caso, o Espírito Angelical leva uma grande desvantagem, pois o espírito astral que emerge da terra, e o espírito infernal que emerge do mar, têm certa afinidade entre si e acabam se juntando, formando duas partes, ou seja, 66,6%, contra apenas uma parte ou 33,3%. A luta é árdua e desigual (dois contra um), mas ao final, com um reforço especial, triunfará o Espírito Angelical. Enquanto a luta persiste, essa tri-polaridade gera conflitos e uma grande inquietude no intelecto humano, provocando constantes e às vezes, agudas oscilações na mente, levando o homem, entre outros problemas, como as transgressões, a questionar-se sobre a sua origem, sobre o sentido da sua vida e mesmo sobre um porvir, que suscita dúvidas quanto à existência ou não, de algo posterior a esta vida. (Eclesiástico 40;1 a 32) Essa inquietude, como uma tênue consciência, quase uma inconsciência, é uma característica original, adquirida quando o Homo Primus evoluiu para Homo Habilis e obteve o intelecto, que instiga e impulsiona o homem, a perscrutar as profundezas do abismo, em busca da verdade fundamental.

“Est quaedam vera Lex, naturae congruens, diffusa in omnes, constans, sempiterna”.

(Há uma certa lei verdadeira, segundo a natureza, espalhada entre todos os homens, constante e eterna)

Talvez essa seja a “Lei Moral” na linguagem atual, que orienta o ser humano (nem todos) no sentido de agir corretamente, mesmo consciente das desvantagens materiais que advirão. Certamente, não foi essa lei que orientou os sofistas, astutos e vorazes, a perceber esta característica inquietude dos homens e, metódica e unicamente movidos pela racionalidade, estabelecerem a teologia, uma pretensa mistura de Deus com a razão, que é o mesmo que tentar misturar azeite com água, o que se concretizou, apenas na aparência, quando, sem a Sophia que fugiu rapidamente do engodo, ficaram com a “logia” das ilusões. Foi-se a Theosophia e ficou a teologia, dando origem às denominações teológicas, que incrementaram uma nova modalidade de operação comercial: a “mercoteomancia”. (Comércio+deus+adivinhação). E as ovelhas?

“As ovelhas alimentam-se de ilusões, e nós as temos alimentado por 1689 anos. O nosso estoque de ilusões é enorme e nós adicionamos o sabor do “blá-blá-blá”, dizendo às ovelhas aquilo que elas gostam de ouvir”.

“Embora eu possa gostar muito de indivíduos específicos, a Humanidade em geral me enche de desprezo e desespero”. (Robert Crumb – cartunista norte americano)