O Tolo
 
Ele passou a vida a enganar pessoas.
De todos os jeitos, gente de todo tipo.
Criou um personagem com cara de santo a defender valores que não tinha.
Olhava nos olhos de quem o admirava e friamente, mentia.
Tocava no rosto de quem o amava e como quem respira, mentia.
Falava palavras, construía frases, criava caras e bocas e mentia.
À noite, em um lampejo raro de pouca consciência, às vezes perdia o sono.
Cinco minutos de superficialidade que chamava de reflexão e então dormia.
Dormia o sono solto dos que se julgam superiores por saírem impunes.
Sonhava com novas aventuras, novas promessas, outras conquistas.
Desenha planos mentais onde era adorado, desejado, festejado em virtudes que tanto queria ter, mas não possuía.
Na vida real se mostrava todo correto.
Esbravejava, falava, mostrava aos filhos, aos amigos, aos parentes o bom homem que queria que acreditassem que era.
No domingo, rezava o terço, idolatrava as imagens, lia as frases e professava aulas e aulas sobre os pecados mortais.
Entre quatro paredes, entretanto, revelava o canalha dissimulado a enganar qualquer uma, qualquer um que caísse em sua conversa.
Nos negócios, queria vantagem, qualquer uma para provar sua esperteza.
Mas o tempo é certeiro, todos sabem. Até ele sabia.
Um dia cobra o preço de tanta barganha.
E se antes a moeda era o corpo, a fala macia e os olhos claros a conquistar almas vazias, o tempo, uma hora, requisita sua paga.
Qualquer um que viveu a farsa dos fanfarrões que se julgam eternos, um dia precisa encarar o espelho.
E quando a imagem já não ajudar nas artimanhas, invariavelmente em um surto de hipocrisia, se voltam para Deus.
Antes tarde do que nunca, dizem os otimistas.
Assim é desde que o mundo é mundo.
Mas há crenças que falam em expiação, outras em inferno, algumas em opção.
Ele até sente uma pontada de culpa, até se propõe a mudar de vida.
O fogo eterno, a balança da lei, o karma, o juízo final... Quem se importa?
Quem mente a vida toda, acredita que pode mentir até depois dela.
O sorriso flácido nunca deixou o rosto.
Ele veste mais uma vez a roupa rota de quem acredita que ainda conquista e parte em busca de outra vítima.
Tristeza, decadência e vazio.
Há coisas que nunca mudam e nem precisam.

Há quem liga? Não mais. Até as almas boas uma hora se cansam.
 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 07/11/2014
Reeditado em 07/11/2014
Código do texto: T5026453
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.