Manhã

Confundi as sandálias pela manhã, e tropecei na garrafinha de água, fazendo um barulho horrível. Quando me olhei no espelho, percebi que estava mais velha, e sorri ao notar as pintinhas que iluminam meu rosto, Envelhecer não é tão ruim. As células morrem mesmo. E é tão bom saber que nascem outras no lugar. A manhã era quente, abafada, como o suor de uma transa íntima do fim de tarde. Nada era como antes. Não havia nada de semelhante. Nem o cachorro latindo. Será que ele morreu? Só sei que eu acabei de morrer, o sono nos mata. O sono adianta a morte. O sono completa os dias. Voltei ao espelho, ainda de camisola. Cabelos bagunçados, cara amassada, respiração calma, sem perturbações. Olhos limpos, claros. O útero as vésperas de jorrar sangue. E no reflexo do espelho, tanta coisa, tanta vida, tanta morte, tanta energia. Tanta alma! O desejo de escrever o que se senti naquela hora, o ímpeto do choro, a alegria de estar viva, a tristeza de estar morrendo.

Brígida Oliveira
Enviado por Brígida Oliveira em 09/03/2015
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