REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS (Algumas tristes, outras dolorosas)

“Nunca mais,

Um olhar ou

Um gesto que,

Devolva para

O coração a

Razão e a alegria,

De viver sabendo,

O que é amar,

E ser amado …

Sem limites”

“Olhando em todas as direções e buscando algo que se supunha jamais existir … você!”

Ontem, eu fui tomado por uma onda de pensamentos incomuns … todos eles ambíguos e confusos … por isso mesmo, decidi registrar isso.

Tudo começou enquanto eu assistia a um filme chamado “Além da Eternidade” (Always, de Steven Spielberg); é um filme lindo e triste, com uma profundidade relativa, mas, por outro lado, um tema que nos faz pensar. O que é viver sem ter sentido um grande amor? Um amor que nos arrebata, fazendo de nós tolos idiotas capazes de dizer e fazer coisas que, normalmente, jamais seríamos capazes de fazer. Um amor que pinte nossa vida com a palheta esfuziante do universo. Um amor incapaz de sentir culpa.

Por um momento, pensei em como jogamos fora as oportunidades que a vida nos proporciona de sermos felizes; felizes sem culpa e sem remorsos. Costumeiramente, tudo que fazemos ao longo de nossa vida é perseguir a felicidade. Buscamos aquela indescritível sensação de amarmos e sermos amados por alguém; amados com tal intensidade que chega a doer na alma. Sermos amados por alguém que nos deseje de um modo inexplicável, mas, ao mesmo tempo, de uma maneira única, especial.

Todavia, aí reside a ambiguidade, pois, embora desejemos a felicidade, nos culpamos por senti-la; nos culpamos pela possibilidade desse sentimento causar danos àqueles que nos cercam, tornar infelizes as pessoas que supomos ser a razão de nossa vida, quando, na verdade, elas foram apenas ilusões, ou mesmo, enganos repreensíveis. Uma tolice simplória imaginar que a felicidade de alguém não possa ser a tristeza de outros.

E porque isso? Porque a felicidade contagia tanto para o bem como para o mal. Contagia para o bem porque acordamos nos sentindo diferentes, não melhores, apenas diferentes; uma deliciosa sensação de bem-estar, de completude, de realização. Trata-se de uma sensação boa, mas que, de algum modo, causa algum desconforto por sabermos que essa mesma felicidade poderá causar sérios danos àqueles que nos cercam.

Contagia para o mal, porque as pessoas de nosso círculo de relacionamento sentem-se incomodadas pelo simples fato de, não apenas ver, mas também sentir a nossa felicidade … uma felicidade que eles não foram capazes de usufruir, e que, por este motivo, não admitem que outro semelhante possa sentir. É nesse contexto que nasce a inveja, o rancor e até mesmo o ódio; sim, o ódio, pois odiamos aquilo que não compreendemos como também odiamos aquilo que não somos capazes de sentir.

Contagia para o mal, na medida em que a possessividade transforma o ser humano em um animal cuja irracionalidade fere de forma contundente; melhor explicando: se o outro é feliz, a pergunta que incomoda diz respeito ao fato de questionar-se porque o outro é feliz sem mim? Se uma pessoa compartilhou a vida da outra por muito tempo, esta entende que tornou-se essencial para a vida daquela e, por essa razão, não é capaz de admitir que, na verdade, essa essencialidade foi apenas superficial, passageira, ou ainda, fruto de um momento … apenas um momento que não se eternizou, ou ainda cuja eternidade foi efêmera.

Naquele momento, em que eu apreciava as lindas cenas do filme em comento, senti-me prostrado, impotente, destituído de energia vital. Pela primeira vez em toda a minha vida eu percebi que não havia partilhado um momento com alguém tão intenso e tão verdadeiro que me fizesse sentir vivo!

Pode parecer estranho, ou até mesmo inconcebível para alguns, mas eu me senti vazio. Uma pessoa sem razões para continuar vivendo, sem motivação para seguir em frente; e porque tudo isso?

De início, pensei que se tratava apenas de uma breve crise depressiva (o mal do século), mas, aos poucos, fui percebendo que era algo bem maior que isso; tinha a ver com essa incompletude que não me torna perfeito, porém faz com que eu me sinta perfeito.

Aquela sensação parecia desafiar-me a fugir da minha eterna zona de conforto e buscar algo insano, delirante, quase enlouquecedor. Algo não. Alguém que me completasse e fizesse de mim um renascido. E foi naquele momento também que percebi que há muito tempo não chorava … não derramo uma lágrima sequer há tantos anos que já havia me esquecido da última vez que fiz isso.

Dizem que chorar é bom … lava a alma e os olhos; limpa a poeira que toma conta de nossa mente e faz do passado não um fantasma, mas um amigo que veio para nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo. E eu não sei dizer se isso é verdade ou não, pois as lágrimas não correm por meus olhos desde … sei lá! Não me recordo!

Foi assistindo ao filme que eu me dei conta de que é preciso renunciar ao passado para viver o presente e ser feliz no futuro. E também foi assistindo a esse mesmo filme que me dei conta de que vivemos presos às reminiscências que apenas nos fazem sofrer e tornam infelizes as pessoas que estão à nossa volta.

O que importa mais que a sua própria felicidade não está nos frascos de medicamentos contra a depressão; é preciso algo mais que uma mera calma quimicamente obtida, ou ainda, uma sobriedade farmacológica que ocultem aquilo que você realmente significa: um indivíduo, as vezes desprezível, as vezes digno de pena.

A aparência é efeito de uma fugaz inconsequência.

A substancialidade da insegurança somente é sobrepujada pela tangencialidade do obscuro túnel, ou cova, de uma alma relutante, cujos esforços resumem-se a parecer algo que não é. Quando o ato solitário de obtenção de um prazer pobre e tênue, revela mais sobre uma pessoa que palavras dóceis e vazias, que se escreve com o intuito de burlar o verdadeiro valor que se esconde em um sentimento, tudo o mais é pura ignomínia.

No mesmo instante em que a dor oculta um escárnio aos que mais valorizam seus esforços, o que se perde é muito mais que a dignidade, pois perde-se a paz de nosso espírito que nutre nossa valorização perante nós mesmos.

Algumas tolices podem ser ditas ou feitas, e muitas delas podem ser sublimadas com quase nenhum esforço. Todavia, aquelas que sobrevivem, deixam um rastro de podridão, cujo ódio será sentido ao longo de mais de uma existência.

Ingênua torpeza que afugenta-se em orgasmos tão efêmeros e de intensidade pífia que fazem a sensação de prazer perder-se nas amarguras. O escárnio com o sentimento alheio é uma lâmina cujo corte faz sangrar infinitamente, sem que haja morte, mas sim, morte em plena vida.

É possível caminhar no fio da navalha, desde que tenha-se plena consciência que a dor somente far-se-á sentir na alma alheia. Inescrupulosa paixão pela ausência de sentimentos que valoriza sensações sem qualquer razão de ser.

Pode-se, é fato, desejar algo fundado apenas na crença de que estamos acima do bem e do mal; mas, se estamos de fato, porque não nos sentimos plenos e realizados? Plenitude deriva de equilíbrio e de uma duradoura paz de espírito … uma paz que clama por sua existência em nossas almas.

Paz de espírito que não se obtém com o uso indiscriminado da ignorância ante os sentimentos alheios.

Não há nada de nobre em pleitear-se a boa-fé alheia e, depois, simplesmente abusar dela tal qual um ladrão que rouba, à alma armada, sorriso, afeto, dedicação, usufruindo enquanto lhe é útil e proveitoso, para, ao final, atirar tudo na sarjeta sórdida de uma frieza indiferente. E o mais escabroso ainda está por vir, pois, não satisfeito com essa espoliação quase fúnebre, abandona sua vítima à própria sorte, sem qualquer escrúpulo, sem qualquer comiseração, buscando desesperadamente uma autopreservação pragmática e que se distancia ao máximo possível, sem olhar para trás, sem arrependimento e sem um mínimo de piedade.

E, finda essa jornada, buscar-se-á outra, tão intensa e tão apaixonada que a nova vítima não terá escolha, senão render-se à insinuação e à concupiscência nutrida enganosamente por um vampiro emocional que, assim, deliciar-se-á além das eras, além das almas imoladas apenas para seu escabroso deleite, além da compreensão do significado e sentimentos puros e verdadeiros.

Sofrer além da própria existência, vivendo da pureza e da doçura alheias, é um sacrilégio sem punição maior que o enorme vazio que consome além do tempo e do espaço.

Toda a circunstancialidade do inesperado,

Não é suficiente para um nobre sentimento.

É preciso acreditar, sem medo de errar,

Que todo obstáculo pode ser superado,

Que toda a estrada ruim tem um atalho,

Que toda a tristeza e vazio podem acabar,

Que toda a lágrima pode não mais rolar,

E que todo o sorriso guarda um pensamento,

Voltado para o doce rosto do amado.