TRANSLÚCIDO...
Passam por mim as sombras, os corpos, as saudades
Como se o meu sistema anatómico fosse uma enorme nuvem branca
Um vidro penetrável de maleabilidade infinita
Ou um pedaço de gelatina em ponto morto
Sou tocado por mãos curiosas que não sinto
Trespassado por aves das quais apenas me apercebo do chilreio
Invadido por sonhos incapazes de serem decifrados
Sou matéria transparente sujeita aos mais infames arbítrios
Um corpo que vê, que ouve, mas não sente
Uma espécie de autómato em vias de análise científica
Porque me apercebo da tua presença
Do sorriso que esboças quando te acercas de mim
Ainda ausente dos temores que me distanciam de ti
Também te sorrio, também te amo incondicionalmente
E é nesses momentos que a minha dor se acentua
Uma dor invisível porque hoje sou translúcido
Porque quando os teus dons me penetram tudo se esvai
Tudo é comido sem que sejam exigidas responsabilidades
Sabes, é como tiro certeiro de bala que entra e sai
Só que eu não consigo olhar para o meu verso
E ver onde poisou o teu beijo
Espero que ninguém dele se aproprie
Amanhã vou procurá-lo e aqueço-o no fervor dos meus lábios.