TRANSLÚCIDO...

Passam por mim as sombras, os corpos, as saudades

Como se o meu sistema anatómico fosse uma enorme nuvem branca

Um vidro penetrável de maleabilidade infinita

Ou um pedaço de gelatina em ponto morto

Sou tocado por mãos curiosas que não sinto

Trespassado por aves das quais apenas me apercebo do chilreio

Invadido por sonhos incapazes de serem decifrados

Sou matéria transparente sujeita aos mais infames arbítrios

Um corpo que vê, que ouve, mas não sente

Uma espécie de autómato em vias de análise científica

Porque me apercebo da tua presença

Do sorriso que esboças quando te acercas de mim

Ainda ausente dos temores que me distanciam de ti

Também te sorrio, também te amo incondicionalmente

E é nesses momentos que a minha dor se acentua

Uma dor invisível porque hoje sou translúcido

Porque quando os teus dons me penetram tudo se esvai

Tudo é comido sem que sejam exigidas responsabilidades

Sabes, é como tiro certeiro de bala que entra e sai

Só que eu não consigo olhar para o meu verso

E ver onde poisou o teu beijo

Espero que ninguém dele se aproprie

Amanhã vou procurá-lo e aqueço-o no fervor dos meus lábios.

Ângelo Gomes
Enviado por Ângelo Gomes em 16/04/2015
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