Temer é fácil

Temer é fácil, vivemos à sombra do medo e em especial do medo da morte. Somos filhos da paixão que nos ofusca a mente, criamos sonhos que muitas vezes nos enganam como se verdades fossem. Fazemos da esperança uma arma de sofrimento contra todos, dizemos aos outros, e a nós mesmos, para que esperem a felicidade, se não aqui, ela será nossa um dia, em alguma dimensão, em algum tempo que tememos não encontrar, pois que a morte nos assusta.

O azul do céu é falso, principalmente porque sequer existe céu, existe o espaço que se perde pela infinidade do que pode existir. O sol não nasce diariamente, ele também não morre, apesar de que ele pode morrer, e um dia morrerá, mas como este mesmo sol ele jamais voltará. Ilusão de ótica, ilusão de percepção, ilusão de leitura da verdade maior que se esconde por detrás da superficialidade dos eventos, quase inalcançável muitas vezes, ela se omite sorrateiramente entre as engrenagens e os mecanismos da realidade, entre a profundeza do real que se faz irreal e muitas vezes não intuitivo, pela simples impossibilidade de ser por uma mente macroscópica revelada. Somos seres iludidos por verdades que criamos, somos seres iludidos por verdades que desconhecemos, somos seres cegos que ousam guiar outros cegos na certeza ignóbil de que somos melhores que os outros. Ofuscamos os fatos em preconceitos e estigmas mentais, nos perdemos em detalhes irrelevantes, pois nos achamos o auge de uma evolução dirigida para nossa própria existência.

Céu e inferno são reais apenas enquanto fatos mentais terrestres que nos levam do amor ao ódio, e deste algumas vezes de volta ao amor por sermos em essência animais. Que bom, animais, reais, e não criações ideais que se fazem espelho de si mesmas pela mão de algum criador irreal. Céu e inferno são ilusões que nos fazem maus em defesa de falsas bondades, que nos faz idólatras em defesa de uma falsa liberdade de pensamento, e que nos faz bons nos raros momentos em que a humanidade nos bate forte ao peito. Sequer somos, muito mal estamos, e estamos perdidos em meio a uma guerra perdida desde que delegamos a terceiros, seres imanentes ou instituições, nossa proteção, e abrimos mão de nossa humanidade por vaidades e presunções de que somos melhores que a própria natureza que em última análise nos permitiu existir, que somos também nós mesmos, não por escolha ou plano, projeto ou destino, mas sim por ser, e ter, os elementos que nos permitem existir dentro de um espaço tempo que também é ela, é dela, e é nosso. A bondade não é propriedade de nenhuma instância superior, instituição humana ou celestial. Somos por nascença seres amorais, em uma natureza não menos amoral, assim necessitamos socialmente encontrar nossa humanidade e, como seres sociais, humanos, naturais, e racionais, construir uma ética de respeito e amor universal, sob pena de sermos piores que o próprio mal que imaginamos repudiar. A bondade virá aderente ao respeito que construamos pelos demais irmãos em espécie e pela natureza que nos envolve, mas somente será verdadeiramente bondade se a selarmos em um caldo de amor, em um tempero de razão, e em uma estrutura de dignidade humana. Talvez eu seja pior que o terror com que tentaram me catequizar, talvez eu seja uma besta humana perdida em imagens falsas de justiça. Talvez seja eu presunçoso ao extremo de me achar parcialmente humano.

Poder e harmonia, poder da harmonia. Harmonia que cria poder humano, poder que distorcemos por nossa arrogância de acreditar sermos capazes de criar harmonia abrindo mão de certa humanidade. Poder que destrói nossa sensibilidade humana. Lágrimas de crocodilo são derramadas em nome do sofrimento alheio, chegamos ao disparate de não mais sofrer pelos que realmente sofrem. Não choro mais de sofrimento pelos que sofrem. Meu choro é superficial, como superficial é a vergonha pela desumanidade da sociedade que ajudo a manter. Como feras feridas corremos a nos defender, mesmo que abandonemos os irmãos. A noite de sentimentos e desumanidade já chegou a muito tempo e somos hoje filhos da falta de luz. Somente uma revolução verdadeira, uma revolução de nossa humanidade, uma revolução que deve iniciar no respeito à natureza, à vida, e aos humanos, nesta ordem e magnitude: Devo amar a natureza acima de tudo, dentro deste amor devo amar a vida que dela emana, toda e qualquer vida, de qualquer ser vivo e espécie, e desta vida devo amar a vida humana que me permitiu aqui estar.

Valorizamos aquilo que temos pois acaba por esconder de nós mesmos aquilo que somos, acreditando que somos aquilo que temos, quando nada que temos nos faz ser em verdade.

Será que ainda existe salvação para a desumanidade que sobrevive maquiada e travestida de humanidade? Talvez sim... Talvez não... Mas pelo bem de nossa gaia terra, poderíamos todos, os humanos, desaparecer e deixar que o rumo natural da existência viva em nosso planeta possa seguir sem nossa ação de destruição deste planeta. Pelo bem de nossa gaia terra, e assim por decorrência direta de nós mesmos, já que desaparecer com todos os humanos parece impossível, torna-se premente alguma transformação real do que somos, do que queremos, e do que construímos para todos, e do que protegemos a nós mesmos e a nosso planeta.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 11/05/2015
Reeditado em 11/05/2015
Código do texto: T5238032
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.