Ao pai que não me teve e eu não tive.

Achei o cantinho no qual, anos atrás, havia achado meu tesouro. Não havia título, apenas a capa estrelada. Antes de começar a ler, quis senti-lo de todas as formas. Segurei-o por um bom tempo. Depois abri mais ou menos no meio e cheirei. Cheiro de livro velho, um estranho prazer. Voltei para o meu quarto com o livro e, por alguma razão desconhecida, guardei-o na gaveta. Não queria ou não devia ler ainda ou talvez eu só estivesse ficando louca, interprete como quiser.

Muita coisa pra digerir. Sabe o que é ter uma pessoa inteira dentro do corpo por anos e anos, e não conhecê-la? Depois ter um quebra-cabeça gigantesco a montar, para conseguir saber quem é essa pessoa? É estranho, mas é bom. Como ser jogado nu numa piscina cheia de gelatina de morango. Nem sei se é possível, pelo menos nunca me ocorreu – ainda – mas deve ser mais ou menos assim: um estranho bom.

Acho que já disse que, geralmente, sou boa com metáforas.

Sabe o que me ajudaria a pensar melhor naquele momento?

– Mais café? – disse meu pai ao abrir a porta, sorrindo. Ele estava sorrindo muito naquele dia. Eu tinha sentido falta dele naqueles outros dias tão estranhos, do seu sorriso grande e feliz e de seus animados olhos verdes.

– Exatamente! – exclamei, sem reprimir meu espanto por Lilo me conhecer tão bem.

– Não é fácil lidar com você, Maju, mas você é minha filha...

– … e você é obrigado a me amar – lancei-lhe um olhar zombeteiro.

– … e eu te amo – sustentou o olhar, aparentemente ofendido – mesmo você sendo assustadora.

– De quem será que eu puxei todo esse sarcasmo?

– Creio que de sua mãe e de mim. É muito sarcasmo, se é que me entende.

Tomamos um belo café e conversamos amenidades a tarde toda. Quando o Sol despediu-se e noite foi chegando, – não sei escrever de uma forma bonita e poética, mas é sério, isso acontece mesmo, graças a uma coisa que a Terra faz chamada “rotação” (que ela faz todos os dias, inclusive!) – Lilo me aninhou em seus braços e lembrei-me de como minha cabeça se encaixava perfeitamente no espaço entre seu pescoço e seu ombro. Seja lá qual for o nome do espaço-entre-o-pescoço-e-o-ombro de alguém, o dele parecia ter sido feito especialmente para mim.

Thainá Mocelin
Enviado por Thainá Mocelin em 28/05/2015
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