Lembranças de Flávia

"Fiquei muda de espanto quando, não tendo ainda doze anos, me senti indisposta pela primeira vez. Apavorei -me, e como minha mãe se contentou com me dizer num tom seco que se tinha isso todos os meses, considerei-o uma porcaria e recusei-me a admitir que o mesmo não acontece com os homens.

Essa aventura levou minha mãe a fazer minha iniciação, sem esquecer ao mesmo tempo a menstruação. Tive então meu segundo desaponto porque logo que fiquei indisposta precipitei-me louca de alegria ao encontro de minha mãe que ainda dormia e a acordei gritando: "Mamãe,já tenho! "-"E é para isso que me acordas? " limitou-se ela a responder. Apesar de tudo considerei a coisa como um verdadeiro terremoto em minha existência. "

Segundo Sexo- Simone Beauvoir

Com meus pequenos 10 anos, cursava a quarta série do ensino fundamental, e andava tão envolvida nas aulas de "ciências", que na época se tratava de ciências biológicas, a professora falava detalhadamente sobre os aparelhos reprodutores, feminino e masculino, e claro que o feminino me deixava na mais pura imaginação, engraçado pois era algo que fazia parte do meu corpo e eu nada conhecia. Em uma aula ela falou do sangramento, ah, aquilo me deu repulsa e ao mesmo tempo curiosidade, "vou deixar de ser menina quando vir, vou poder ter filhos, esposo, e fazer coisas estranhas com ele".

Cheguei da aula, e como de costume eu almoçava e tirava um cochilo no sofá da sala, ouvindo uma playlist de "menina" no aparelho de som. Neste cochilo pude sonhar muito, sonhos que foram perdidos pela minha cabeça, e hoje me escapam pela censura. Acordei assustada, e nesse dia passei da hora, já eram 16:00 e eu tinha remorso por perder a tarde de brincadeiras gostosas, como ir ao parque infantil e me socializar através de teatros férteis. Resolvi ir no banheiro, e ao abaixar as calças senti uma fincada no peito, ah, como me doeu aquela esquisitice, tudo vermelho enfermo. A angústia foi me tomando conta, não confiava em ninguém para compartilhar tamanha mudança. Elaborei um plano:tomar um banho e lavar os vestígios.

Mas não bastou, mãe que é mãe encontra, sente o cheiro. Chegou do trabalho, me flagrou sem ter uma prova concreta, acho que sentiu no meu olhar desesperado, e veio me perguntar se tinha rolado... Minhas respostas foram lágrimas de luto e medo. Ela me confortou e pegou uns absorventes na gaveta, me ensinou até a colocar, fiquei ainda mais vermelha. E por dentro eu chorava... já não me bastava ter perdido a tarde de brincadeiras de menina... Tinha perdido ali a inocência de criança, ali foi decretada minha vida adulta.

Lembranças de Flávia.

Flávia Borges
Enviado por Flávia Borges em 16/03/2016
Código do texto: T5575476
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