O gosto precário e puro



        Se eu pudesse sair daqui, sozinha comigo mesma
        com meus próprios pés sozinha comigo mesma
        tenho a mais completa das certezas
        de que me esqueceria
        até mesmo de mim mesma
        - quero crer nesta utopia -
        ainda que apenas durante o tempo
        em que eu estivesse sozinha
        em qualquer outro lugar
        beira de mar... beira de rio...
        num cinema à espera do filme começar
        num teatro à espera da peça começar
        dentro de um ônibus a chegar nunca em nenhum lugar
         num parque de árvores outras que não esta paineira sempre diante da janela
         num silêncio outro... ah, um outro silêncio...
         mesmo num hotel  a quinze minutos de táxi daqui
          ser turista de mim a cinco quilômetros daqui
          por me lembrar de mim, conseguiria esquecer de mim
          (...............................................................)
          - talvez esse sonho inútil seja apenas mais uma utopia inútil -
           
           depois voltaria, claro
           para os quatro paredes deste ninho
           onde vivo só, sem viver só
           e, voltando, cá me esperando
           as lembranças todas de mim
           e de tudo
           mas, com algo novo:
           o gosto precário e puro
           do esquecimento de mim e de tudo

           Saboreio por minutos esta utopia
           como saboreei outras tantas
           que se mostraram todas inúteis
           como a de ver um dia
           um outro "país do futuro"
           como a de ver desvelada a face
           de amores que amei
           como a de ver desvelada a face
           do irmão que conheci, que achei que...


            como a de ver desvelada a face
            do dia em noite transformada
            como a de ver desvelada a face
            da estrela que guarda o meu nome
            para ver se ela ainda guarda
            em sua face
            o nome que foi meu.