O comboio do tempo.
 
Podemos comparar o tempo, como o imaginamos presente, passado e futuro, a um comboio liderado por uma locomotiva. Como a conhecemos, a máquina autônoma, a fumegar fuligens, avança sobre os trilhos a romper o espaço, enquanto os carros atrelados a ela seguem-na a desenhar um quadro divisor do tempo. Mas não, o tempo não deve ser, no meu entendimento, um divisor de espaços obediente a cronologias percebidas pelo maquinista e seus passageiros.
Todo o maquinário conjunto não avança sequer um milionésimo de milímetro, e permanece, ali, eternamente estacionado. Sãos os ventos da ilusão que sopram no nariz da máquina. Passageiros que somos no comboio, sentados às janelas desses carros, temos a nossa consciência voltada para o que já passou. Até mesmo o maquinista, a olhar à frente, vê o passado, porque o que está à sua frente não é o futuro ainda não palmilhado, mas, tão somente o registro, em sua memória, do que ele viu, e não do que vê ou, menos ainda, do que verá.
Tudo passa e de tal modo rapidamente que, sem ao menos notarmos, somos seres do passado. De forma análoga, como fixamos na memória somente o conjunto de fatores vitais inteiramente organizados conforme o entendimento lógico do nosso pensamento, concluo, sem dúvida alguma, não ser real até mesmo o que supomos existir ao que chamamos presente.
Vivemos, unicamente e condenados, no comboio do passado.